Gótico

Leia-me ou devoro-te

Escrevo para poluir o ar, para esfumaçar como num turíbulo a minha palavra. Sou um padre das liturgias sangrentas. A missa na qual comando, os fiéis são os meus sentidos. O tato demonstra o que espero: tocar-te no ventre dos teus segredos mais íntimos. Ser tão profundo quanto o abissal mar de tua individualidade. Sou uma musa já quase nua para o teu deleite, e para meu desejo, apenas o teu sentir mais puro. Tocarei tua lira d'alma e assim jamais me esquecerá.

Moralmente morto

Cortei meus desejos pulando da janela.
Pingo as lúgubres gotas de uma paixão,
infelizmente afoguei meu amor nela,
e detive quedas por quedas com meu sermão.

Fitaram meu cadavérico moralismo,
enterrado em uma estupidez antiquada,
deram-me o meu velório merecido
soterrando a faca e laminando a alma fraca.

Canção ao Metal Negro

Dedico esta trova fúnebre
A ti todo teu mal caótico
A canção da sombra lúgubre
O teu desejo mais utópico.     
 
Exterminar o que é mais parvo,
Eliminar o que é benévolo,
Protestando com todo garbo,
Escurecendo sendo malévolo.

No bosque invernal te encontro,
Murmurando ódio a esmo,
Esmaecido por vencer o monstro:
O amor que te deu desprezo.

 

 

ARMADURA

 

 

i.

a sutura do entardecer

consome minhas urgências

com a cáustica volúpia

de degredo ou de dano

ii.

o que não é forma ondulada

me remete à constância

das linhas adivinhadas

que se escoam sem discordância

iii.

minha inadiável iminência

também não se dissolve

como tempestade que tarda

clamando por seus relâmpagos

iv.

desse combalido ditame   

me protege cromada couraça

recobrindo minha pele e espírito

com indevassável membrana

 

O vento das cinzas

Até quando os ventos me jogarão?
Não tenho ideia ao que leva isso
Prostro mais um dia — clarão:
Estou cego pela mentira. Omisso,
Não da vida ou da sorte incerta;
A dona da tempestade bruma,
Dos júbilos da majestade serva 
E Rainha da rosa murcha:
Senhorita Morte me regojize  
Um último desejo material:
Incinerar meu corpo que exprime
O melodrama da vida lacrimal.
Minha existência voará ao poço

Pareidolia

Vejo sombras nos arames
Tateio enforcamento na luz
Querem costurar meus ossos
Sob os pecados da carne

Pisco uma ou duas vezes 
E lá fito Saturno encarando 
Sou tão megalomaníaco 
Que acredito ser um lunático

O Deus dos fins a violar-me
Quem dera se fosse real 
Deve ser a autoconfirmação
Da minha virtude desleal 

 

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