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*SONETO D'UM POETA MORTO*

Achado nos seus papeis

Bem sei que hei de morrer cedo e cansado,
Alguma cousa triste em mim o diz,
E vagarei no mundo desterrado,
Como Dante chorando a Beatriz.

Pelos reinos, irei talvez curvado,
Como um proscripto princepe infeliz,
Ou como o indio pallido e exilado
Chorando o vivo azul do seu payz.

Mas no entanto, ah! ninguem ao Sol divino
Abrasou mais as azas, derretidas
Ante as duras, ferozes multidões!

NO LEITO NUPCIAL

    Dorme, estatua de neve,
    Vergontea de marfim!
    Tocar que impio se atreve
    No que é sagrado assim?

    Dois são: o mais, mysterio
    Vedado á terra. Deus
    Talvez do solio ethereo
    Nem baixe os olhos seus.

    Respeita-os, tapa-os, como
    Japhet e Sem, o pai...
    Pende, sagrado pomo!
    A vista ergue-se e cai.

    Ergue-se e cai, conforme
    A lei, que o manda assim.
    Ergue-se e... Dorme, dorme,
    Vergontea de marfim!

*Carta a Manoel*

Manoel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paysagem triste, triste,
A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres noticias? Queres que os meus nervos fallem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se callem...
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, emfim, se soffre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Peor que as sabbatinas
Dos _ursos_ na aula, peor que beatas correrias

LYRA XXXII.

N'uma noite socegado
Velhos papeis revolvia,
E por ver de que tratavão
Hum por hum a todos lia.

  Erão copias emendadas
De quantos versos melhores
Eu compuz na tenra idade
A meus diversos amores.

  Aqui leio justas queixas
Contra a ventura formadas,
Leio excessos mal acceitos,
Doces promessas quebradas.

  Vendo sem razões tamanhas
Eu exclamo transportado:
_Que finezas tão mal feitas!
Que tempo tão mal passado_!

*Cavatina*

(Palavras ditas entre bastidores a uma corista)

      Tenho ideias com-_fusas_ e geladas
      Sobre a _escala_ do amor onde resplende
      _Lá_ n'esse vivo _sol_, que mais se accende
      _Rallentando_ as promessas calculadas.

      A _gamma_ dos suspiros não attende,
      É de mau _tom_ possuir lindas manadas
      D'amantes, que se _afinam_ nas ciladas
      Das _pausas_, que o desejo não entende.

Canto dos Espíritos sobre as Águas

A alma do homem
É como a água:
Do céu vem,
Ao céu sobe,
E de novo tem
Que descer à terra,
Em mudança eterna.

Corre do alto
Rochedo a pino
O veio puro,
Então em belo
Pó de ondas de névoa
Desce à rocha liza,
E acolhido de manso
Vai, tudo velando,
Em baixo murmúrio,
Lá para as profundas.

Erguem-se penhascos
De encontro à queda,
— Vai, 'spúmando em raiva,
Degrau em degrau
Para o abismo.

ÁS FLORES

Eu venho-vos cantar, mimosas flôres,
      A vós irmãs da luz, gentis e bellas,
      Do chão que piso vívidas estrellas,
      Com mil perfumes, mil viçosas côres!

      Á vossa encantadora companhia,
      Toda cheia de graça e de candura,
      Eu devo em parte a luz serena e pura
      Do amor, que meu espirito allumia!...

      Cercando-me dos vossos esplendores,
      Nos quaes eu pasto dia e noite a vista,
      Consigo converter meu lar d'artista
      N'um Louvre de riquissimos lavores

ÁS NUVENS

Vapores que em vistosos cortinados
      Armaes dos ceus o templo de safira
      Com purpura e finissimos broxados,
      Sêde hoje o assumpto para a vóz da lyra!

      Que eu quero ter a intima certeza
      Que, antes da hora da fatal partida,
      A minha alma no mundo fica preza
      Ás coisas bellas que adorei na vida...

      Horas felizes que ainda hoje eu passo,
      Pelas tardes calmosas do verão,
      Seguindo-as uma a uma pelo espaço,
      Dizei ás nuvens se eu as amo ou não!...

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