Geral

AO MAR!

Senhor! eu canto o mar, que no psalterio
      D'esses orbes de luz que além se avista,
      Com a vóz d'um tristissimo psalmista
      Teu nome ousa louvar no espaço ethereo!

      Canto o apostolo, o mestre da Verdade,
      Que, aprendendo de ti altos segredos:
      Contra os negros tyrannos dos rochedos
      Vae prégando o sermão da Liberdade!

A uma Rapariga

À Nice

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Camões, grande Camões, quão semelhante

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Nec semper

São gemeas a Verdade e a Belleza,
Disse-me um grande sabio n'outro dia.
Se elle te conhecesse, com certeza,
Tamanha falsidade não diria.

Pois tu oh formosura incomparada
A quem o meu amor ardente aspira,
Sendo a propria Belleza humanisada
--És a synthesis viva da Mentira!

NOS CAMPOS

A fragrancia do trevo o das flôres selvagens
Da noite embalsamava as tepidas bafagens:
Ao longe os astros bons olhavam-nos dos céos.
O mundo era um altar; as serras grandes aras;
E os canticos da paz corriam nas searas
Em honra do bom Deus.

No solemne silencio immersa ia minha alma
Em tranquilla mudez; n'aquella doce calma
Que sente germinar os frescos vegetaes.
De subito uma voz deixou-me um pouco extatico:
Detive-me um momento; olhei:--era o viatico!
De noite a horas taes,

O SOLDADO.

I.

Veia tranquilla e pura
Do meu paterno rio,
Dos campos, que elle réga,
Mansi­ssimo armentio.

Rocio matutino,
Prados tão deleitosos,
Valles, que assombram selvas
De sinceiraes frondosos,

Terra da minha infancia,
Tecto de meus maiores,
Meu breve jardimzinho,
Minhas pendidas flores,

Harmonioso e sancto
Sino do presbyterio,
Cruzeiro venerando
Do humilde cemiterio.

A TEMPESTADE.

Sibilla o vento:--os torreões de nuvens
      Pésam nos densos ares:
Ruge ao largo a procella, e encurva as ondas
      Pela extensão dos mares:
A immensa vaga ao longe vem correndo,
      Em seu terror envolta;
E, d'entre as sombras, rapidas centelhas
      A tempestade solta.
Do sol no occaso um raio derradeiro,
      Que, apenas fulge, morre,
Escapa á nuvem, que, apressada e espessa,
      Para apaga-lo corre.
Tal nos affaga em sonhos a esperança,
      Ao despontar do dia,

16

Esta inconstancia de mim próprio em vibração
É que me ha de transpôr às zonas intermédias,
E seguirei entre cristais de inquietação,
A retinir, a ondular... Soltas as rédeas,
Meus sonhos, leões de fogo e pasmo domados a tirar
A tôrre d'ouro que era o carro da minh'Alma,
Transviarão pelo deserto, muribundos de Luar -
E eu só me lembrarei num baloiçar de palma...
Nos oásis, depois, hão de se abismar gumes,
A atmosfera ha de ser outra, noutros planos:
As rãs hão de coaxar-me em roucos tons humanos

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