Geral

ALVORADA

Algures brilha o sol no azul do firmamento,
      E expõe com resplendor das cousas o espectaculo!
      Aqui, na escuridão, o mundo é tabernaculo
      Onde os frageis mortaes descançam um momento!...

      Alem, o Sol incita o mundo ao movimento,
      Á lucta pela Vida, o esteio e o sustentaculo
      Desde o ser da Rasão ao minimo animaculo,
      Aqui, o somno esparse em todos novo alento!

Minha Culpa

A Artur Ledesma

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...

Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...

Magro, de olhos azuis, carão moreno

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Ignotus

Ninguem sabia ao certo quem elle era,
O bondoso pastor do presbyterio.
A terra onde nasceu? D'onde viera?

Eu vejo em tua bocca as pétalas vermelhas

Eu vejo em tua bocca as pétalas vermelhas
D'uma rosa de fogo aonde vão libar,
O mel das illusões, quaes timidas abelhas,
Uns velhos ideaes que em vão tento expulsar.

Dizer-me pódes tu de que ovulo espontaneo,
Tocado pelo sol, em mim poude nascer
Este bando cruel que dentro do meu craneo
Não faz ha muito já senão roer, roer?!

Ás vezes vôa ao largo; ás serras, ás campinas;
Remonta aos astros bons; torna a descer dos céos;
E volta a demolir as trémulas ruinas
Do templo onde crepita a luz dos dias meus!

*A LANTERNA*

O sabio antigo andou pelas ruas d'Athenas,
Com a lanterna accesa, errante, á luz do dia,
Buscando o varão forte e justo da Utopia,
Privado de paixões e d'emoções terrenas.

Eu tambem que aborreço as cousas vãs, pequenas
E que mais alto puz a sã Philosophia,
Ha muito busco em vão--ha muito, quem diria!
O mais cruel ideal das concepções serenas.

Tenho buscado em balde, e em vão por todo o mundo;
Esconde-se o ideal no sitio mais profundo,
No mar, no inferno, em tudo, aonde existe a dôr!...

DEUS.

Nas horas do silencio, á meia-noite,
      Eu louvarei o Eterno!
Ouçam-me a terra, e os mares rugidores,
      E os abysmos do inferno.
Pela amplidão dos céus meus cantos sôem,
      E a lua resplendente
Pare em seu gyro, ao resoar nest'harpa
      O hymno do Omnipotente.

Antes de tempo haver, quando o infinito
      Media a eternidade,
E só do vacuo as solidões enchia
      De Deus a immensidade,
Elle existia, em sua essencia involto,
      E fóra delle o nada:

Salomé

Insónia rôxa. A luz a virgular-se em mêdo,
Luz morta de luar, mais Alma do que a lua...
Ela dança, ela range. A carne, alcool de nua,
Alastra-se pra mim num espasmo de segrêdo...

Tudo é capricho ao seu redór, em sombras fátuas...
O arôma endoideceu, upou-se em côr, quebrou...
Tenho frio... Alabastro!... A minh'Alma parou...
E o seu corpo resvala a projectar estátuas...

Ela chama-me em Iris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecôa-me em quebranto...
Timbres, elmos, punhais... A doida quer morrer-me:

*AS CATHEDRAES*

Como vos amo ver ó cathedraes sosinhas,
A recortar o azul das noutes constelladas!
Erguidos corucheus, mysticas andorinhas,
--Ó grandes cathedraes do sol ensanguentadas!

Como vos amo ver, pombas alvoroçadas!
Ogivas ideaes, anjos de puras linhas,
E ó criptas sem luz, aonde embalsamadas
Dormem de mãos em cruz as santas e as rainhas!

Em vão olhaes o Ceu sagradas epopeias!
Flores de renda e luz, d'incenso e aromas cheias,
Aves celestiaes banhadas da manhã!

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