Geral

O Azar

Com peso tal, não me ajeito;
Dá-me, Sísifo, vigor!
Embora eu tenha valor,
A Arte é larga e o Tempo Estreito.

Longe dos mortos lembrados,
A um obscuro cemitério,
Minh'alma , tambor funereo,
Vai rufar trechos magoados.

— Há muitas jóias ocultas
Na terra fria, sepulturas
Onde não chega o alvião;

Muita flor exala a medo
Seus perfumes no degredo
Da profunda solidão

 

LYRA XII.

Topei hum dia
Ao Deos vendado,
Que descuidado
Não tinha as settas
Na impia mão.
    Mal o conheço,
Me sóbe logo
Ao rosto o fogo,
Que a raiva accende
No coração.

  _Morre, Tyranno,
Morre, inimigo_!
Mal isto digo,
Raivoso o apérto
Nos braços meus.
    Tanto que o moço
Sente apertar-se,
Para salvar-se
Tambem me aperta
Nos braços seus.

ETERNIDADE

    Inferno e céo, conforme
    A nossa fé, confesso
    Que é um mysterio enorme,
    É um mysterio immenso.

    Mas um mysterio é tudo:
    Folhinha d'herva, e estrella,
    Não ha comprehendêl-a!
    É contemplal-a mudo.

    E a herva, como existe,
    A mim quem m'o diria,
    Se a luz que me alumia
    Nem sabe em que consiste?

    Mas uma coisa sabe
    O que a cabeça ignora
    --O coração... que mora
    Em peito onde não cabe.

Proémio

Em nome daquele que a Si mesmo se criou!
De toda eternidade em ofício criador;
Em nome daquele que toda a fé formou,
Confiança, actividade, amor, vigor;
Em nome daquele que, tantas vezes nomeado,
Ficou sempre em essência imperscrutado:

CARTA : _A hum Amigo, louvando-lhe o estado de cazado_.

Foi este o ditozo dia,
Que te deo a Espoza bella;
Doce, sólida alegria,
Para ti, junto com ella,
No mesmo berço nascia;

Por tua maior ventura,
Natureza lhe quiz pôr,
Entre os Dons da Formozura,
Outro dote inda maior,
Que he, alma innocente, e pura;

Eu sei teu costume antigo,
A Mulher, que he só formoza,
Não vale tudo comtigo;
Soubeste escolher Espoza,
Em quem tens Espoza, e Amigo;

*Entre palmeiras*

      Faiscam os jaezes dos Cavallos,
      Vibra o som dos clarins pela athmosphera;
      No dorso de elephantes reverbéra
      A seda e prata em crebros intervallos.

      Rodeado de innumeros vassallos
      Intrepido radjah de côr austera
      Busca o tigre e leão, onça e panthera
      Crusando as selvas, e galgando os vallos.

      No cerrado paul ondula a brenha
      E um leão de medonha, hirsuta juba
      Em furioso valor se desentranha.

Flores

De um pequeno degrau dourado -, entre os cordões
de seda, os cinzentos véus de gaze, os veludos verdes
e os discos de cristal que enegrecem como bronze
ao sol -, vejo a digital abrir-se sobre um tapete de filigranas
de prata, de olhos e de cabeleiras.

Peças de ouro amarelo espalhadas sobre a ágata, pilastras
de mogno sustentando uma cúpula de esmeraldas,
buquês de cetim branco e de finas varas de rubis
rodeiam a rosa d'água.

Volúpia

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

Nascemos para amar

Nascemos para amar; a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.

Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.

Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.

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