Geral

*MYSTICISMO HUMANO*

Sunt lacrimae rerum...
     (Virgilio)

A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d'amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras...
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita...
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!

FALA A ORDEM

Pequeno, d'onde vens cantando a Marselhesa;
Da barricada infame, ou d'outra vil torpeza?

Que esplendido porvir! Do nada apenas sahes
Começas a morder as purpuras reaes
Ó filho trivial da livida canalha!...
E, vamos, deixa ver, guardaste uma navalha,?!
Não tremas que eu bem vi! que trazes tu na mão?
Intentas já limar as grades da prizão,

Fazendo scintillar um ferro contra o solio
Archanjo que adejaes nos fumos do petroleo?!...
Mas, vamos abre a mão: não queiras que eu te dê.

*Os Sinos*

1

Os sinos tocam a noivado,
    No Ar lavado!
Os sinos tocam, no Ar lavado,
    A noivado!

Que linda criança que assoma na rua!
    Que linda, a andar!
Em extasi, o povo commenta que é a Lua,
    Que vem a andar...

Tambem, algum dia, o povo na rua,
    Quando eu cazar,
Ao ver minha noiva, dirá que é a Lua
    Que vae cazar...

2

E o sino toca a baptizado
    Que lindo fado?
E o sino toca um lindo fado,
    A baptizado!

LYRA VII.

Vou retratar a Marilia,
A Marilia meus amores;
Porém como, se eu não vejo
Quem me empreste as finas cores!
Dar-mas a terra não póde;
Não que a sua côr mimosa
Vence o lyrio, vence a rosa:
O jasmim, e as outras flores.
    Ah soccorre, Amor, soccorre
    Ao mais grato empenho meu!
    Vôa sobre os Astros, vôa,
    Traze-me as tintas do Ceo.

ROSA E ROSAS

    A Rosa trouxe-me rosas
    E nada mais natural,
    Mas eu prendas tão mimosas
    É que não tenho; inda mal.

    Quando tinha, se me désse,
    Não digo mais que uma flôr,
    Talvez de flôres lhe enchesse
    Esses cofrinhos d'amor.

    Aguas passadas, Rosinha!
    Deixal-o; veja se vê
    N'este chão que já foi vinha
    Coisa que ainda se dê.

    Veja e escolha. Está na mesa
    O que ha em casa; é tirar
    --Tirar com toda a franqueza;
    Inda hão-de espinhos sobrar.

A Musa Enferma

Ó minha musa, então! que tens tu, meu amor?
Que descorada estás! No teu olhar sombrio
Passam fulgurações de loucura e terror;
Percorre-te a epiderme em fogo um suor frio.

Esverdeado gnomo ou duende tentador,
Em teu corpo infiltrou, acaso, um amavio?
Foi algum sonho mal, visão cheia de terror,
Que assim te magoou o teu olhar macio?

Eu quisera que tu, saudável e contente.
Só nobres idéias abrigasses na mente,
E que o sangue cristão, ritmado, te pulsara

_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Marqueza de Alegrete, quando lhe nasceo huma Filha_.

Senhora, he couza sabida,
Que aos Deozes não são vedados
Os escondidos segredos
Do escuro livro dos Fados;

E pois que em tempos antigos
Já tive alguma valia
Co'aquelle, a quem coube em forte
O governo da Poezia;

Não esperando do Tempo
O vagarozo progresso,
E desejando augurar-vos
O vosso feliz successo;

Na raiz do alto Parnazo,
Curvando o humilde joelho,
Exclamei = Se aqui se escutão
Votos de hum Poeta velho,

*Abandonado!*

      Uma fita prendi côr de saphira
      No leve, tenue pé d'uma andorinha;
      Este anno regressou a pobresinha
      E junto ao ninho seu constante gira.

      Quando o sol no horisonte se retira
      Esvoaça em redor de mim sósinha;
      Tambem esta alma, soffrega, mesquinha
      Por ti enfeitiçada geme, expira.

      Ella na espuma branca, qual arminho
      Foge no mar á raiva dos açores
      Não perdendo a lembrança do seu ninho

Pages