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Pássaros Azulados

Uma revoada agora me alembra
rodeia de vislumbres minha cabeça
são grandes pássaros azulados
não mais da cor da minha meia

tempinho bom pra vida inteira
um esconde-esconde pelo quarteirão
um futebol de botão
no estrelão de madeira

quem dera que o que tenho de amor
tivesse toda aquela pureza
sem querer que o vermelho da cor
fosse o mesmo da cor vermelha

pois o que era o azul daqueles pássaros
senão recortes no azul celeste
só um condimento pueril e fávaro
no azul do céu, negras silhuetas rupestres

por isso preciso de um bocado

O Cântico e o Pranto

Sempre se exigia um cântico
de alegria ou pureza
nunca se aceitava o pranto
da dor longeva

era fácil agradar a todos
já que suas indumentárias
estampavam uns nos outros
o farto e caricato bonifácio

de verdade mesmo,
nenhuma letra escarlate
ainda mais sob seus toldos
encobrindo suas espertezas

tanto que não tardou
a se popularizar, à revelia,
a castidade, o pudor 
e, elementar, a hipocrisia.

Verso Inconcebível

Tento escrever à força a poesia
devaneando paisagens, obituários,
amores fugidios
mas verso algum vem — obrigado!

poesia é um vírus incubado
um ato falho dantesco
onde a rima é outorgada
no momento de maior fraqueza

prolifera-se bolidamente
é um ataque às nossas
maiores resistências

aquele que a concebe
é quase sempre o mais frágil
nem tanto o disciplinado, o exigente

por isso abandono minha Lettera 25
desisto do batente
não depende de minha vontade
nem de minha métrica ou ritmo

métrica!
antes de dormir, me perdoo

Querer-te eu Queria

Queria te querer
como quem quer nada
só por querer

um querer o outro
sem querer do outro
querendo por querer
é, mas também não quero
querer sem o outro

um querer
o outro sem querer
quero, mas não é que eu queira
querer porque quero
do outro um me querer
isso seria apenas querer que me quisesse

como quem nada quer
— na verdade verdadeira
querer-te eu queria.

Gesto corrompido

               Tem dias: oh dias!!!!

                que vem um aperto,

                a saudade de quando ria,

                na solidão de um dia suspeito.

 

                Porque viestes?

                Estava adormecido,

               rompi a folha, e as vestes

               em gesto corrompido.

 

               Na folha estava seu nome,

                nas vestes  o teu cheiro,

                 de quando matavas a fome,

                  tão minha ,tão sua, amor feiticeiro.

 

Deixando o Caminho Para Trás

O caminho me encontrou
sem escolha, voltei a caminhar
mas senti falta da dúvida
de me fincar em qualquer lugar
sem saber para aonde se vai


talvez eu nunca quisesse ir
nem caminhar, nem chegar
e na certeza de outra vez
perdidamente me descaminhar
vou deixando o caminho para trás.

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