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A Negra Fúria Ciúme

Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fúria Ciúme.

Sobre um sólio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fúria Ciúme.

Crespas víboras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fúria Ciúme.

Arrancando à Morte a fouce
De buído, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fúria Ciúme.

Era loucura ou sonho? Entre as tristezas

Era loucura ou sonho? Entre as tristezas
E os terrores e angustias, que resume
Neste dia e logar a avi­ta crença,
Irresisti­vel força arrebatou-me
Da sepultura a devassar segredos,
Para dizer:--Tremei! Do altar á sombra
Tambem ha mau-dormir de somno extremo!»--

Eu tive um sonho estranho...

Eu tive um sonho estranho: ouvi que vou dizel-o.
Era em praia dezerta, em frente a um longo mar:
Nos céos havia a nevoa, a mãe do Pezadêlo,
E o vago, o incerto, o informe em tudo a oscillar!

De subito surgiu, na praia, uma criança
D'olhar profundo e bom, d'angelica expressão,
E o mar contemplou com tanta confiança
Que nem que visse n'elle o berço d'um irmão!

A CHRISTO

Precisamos Jesus, se não te sentes velho,
Que cinjas novamente o resplendor de luz
E venhas explicar a letra do evangelho
A muitos que hoje vês prostrados ante a cruz!

Ainda não cessou, de todo, essa contenda
Que um dia, ha muito já, tentaste debellar:
E aquelles que são bons e adoram tua lenda
Desejavam tambem ouvir-te hoje falar.

Apenas resoasse o teu verbo indignado,
O latego febril das grandes corrupções,
Iria atraz de ti um mundo revoltado
Que sente na consciencia a luz das redempções.

Ó machinas febris!

Ó machinas febris! eu sinto a cada passo,
Nos silvos que soltaes, aquelle canto immenso,
Que a nova geração nos labios traz suspenso
Como a estancia viril d'uma epopea d'aço!

Emquanto o velho mundo arfando de cansaço
Prostrado cae na luta; em fumo negro e denso
Levanta-se a espiral d'esse moderno incenso
Que offusca os deuses vãos, anuviando o espaço!

Vós sois as creações fulgentes, fabulosas,
Que, vibrantes, crueis, de lavas sequiosas,
Mordeis o pedestal da velha Magestade!

FLOR DA MODA

Alice, o turbilhão das salas elegantes,
Começa a entristecer; ninguem sabe por quê!
Aquella flôr doente amava muito d'antes
As festas, o ruido, as cousas deslumbrantes,
Agora é desolada e penso que descrê.

Que tedio se abrigou na vaga transparencia
D'um todo tão subtil, aerio, divinal.
--Moderna creação da santa decadencia,
Que alia gentilmente ás pompas da regencia
Os indecisos tons d'um ar sentimental?!

Á PAZ DOS POVOS : HOMO, EX HOMINIS LUPO, HOMINIS COOPERATOR

      De lobo te foi dado outrora o nome,
      Lobo que a propria especie devastava
      Cruento e fero, qual não viras nunca
      Leões, pantheras, tigres ou chacaes!...

                  E a fera, quando a fome
                  A incita, é quando crava
                  O dente e a garra adunca
                  Nos miseros mortaes.

      Da massa do teu cerebro colhendo
      A luz consciente e pura das ideas,
      Concebes mil engenhos homicidas,
      Inventos d'infernal destruição!

O QUE EU SINTO...

      Se vejo com pavor as luctas carniceiras
      Que empenham as nações, chamadas as primeiras,
                  Nos campos da batalha,
      Ah! quando a sós comigo e o Eterno me concentro,
      Ouço não sei que voz a mim bradar cá dentro:
                  ==É Deus que ali trabalha==!

*A AGUIA*

No tempo em que era a grande deusa viva
Os deuzes, os heroes e as Musas bellas,
Dizia uma aguia velha e pensativa,
Que fizera a viagem das estrellas:

--Vão-se indo as tradições! e hão-de ir com ellas
Apollo, Jove, Vichnou e Siva!
Um astro é grão de luz; o mar saliva
De ti ó grande Pan!... Só Pan tu vellas!...

Mas quando assim fallava a aguia, eis quando
Se ouviu aquella voz triste bradando
Na Sicilia: _Morreu o grande Pan_!

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