Geral

*Epitaphio*

      Meu coração aqui jaz, erma ruina
      Onde habita a ironia, o vil phantasma
      Golphão anachoreta entre o miasma
      Perseguido p'la brisa crystallina.

      O lyrio, o trevo ri junto á bonina,
      Só de raiva a minha alma abdica, pasma
      Porque a tristeza famulenta traz-m'a
      Nas duras garras d'ave de rapina.

      Meu coração aqui, sob esta alfombra
      Dos pallidos desdens, justos ciumes
      Adora morto e frio a tua sombra.

Á TERRA

Oh Terra, Virgem mãe da Humanidade,
      Pelos fructos que dás eu te bemdigo!
      Cheia de graça e cheia de bondade,
      O espirito de Deus seja comtigo!

      Tu que és do Sol a esposa immaculada,
      Que entre perfumes, canticos e flôres,
      Passas no azul dos ceus, virgem coroada
      Com o candido mimbo dos amores:

      Como escuta piedosa a mãe seu filho,
      E d'elle acceita o mais pequeno objecto,
      Ouve a harpa d'esta alma onde dedilho
      Por ti um canto d'entranhado affecto!

Panteísmo

Ao Botto de Carvalho

Tarde de brasa a arder, sol de verão
Cingindo, voluptuoso, o horizonte...
Sinto-me luz e cor, ritmo e clarão
Dum verso triunfal de Anacreonte!

Vejo-me asa no ar, erva no chão,
Oiço-me gota de água a rir, na fonte,
E a curva altiva e dura do Marão
É o meu corpo transformado em monte!

E de bruços na terra penso e cismo
Que, neste meu ardente panteísmo
Nos meus sentidos postos e absortos

Meus olhos, atentai no meu jazigo

Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte está chegado;
Lá soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:

Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vês com dor meu duro estado,
Volve à terra o cadáver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:

Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos corações, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:

Já sobre o coche de ébano estrelado

Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas acostumado.

Só eu velo, só eu, pedindo à Sorte
Que o fio com que está mih'alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silêncio total da Natureza.

O MENDIGO.

I.

O sol passa nos céus:--sob o carvalho,
Por cujos troncos se pendura a vide,
        Cego ancião,
Mirrada dextra supplice estendendo,
Ao passageiro, que o despreza, implora
        Do opprobrio o pão.

Ninguem o escuta, o dia foge, e a noite
Involve a luz no manto impenetravel:
        E elle chorou:
E em seus andrajos para choça alpestre,
Sem se queixar de Deus, tardios passos
        Encaminhou:

A ROSA.

Pura em sua innocencia.
      Entre a sarça espinhosa,
Purpurea esplende, inda botão intacto,
      Na madrugada a rosa.

      É da campina a virgem
      A pudibunda flor;
Em seus efluvios matutina brisa
      Bebe o primeiro amor.

      O sol inunda as veigas:
      Calou-se o rouxinol;
E a flor, ebria de gloria, á luz fervente,
      Desabrochou-a o sol.

      O sôpro matutino
      No seio seu pousára:
Prostituida á luz, fugiu-lhe a brisa,
      Que a linda rosa amára.

ANTIGO THEMA

Passae larvas gentis na rua da cidade
Aonde se atropella a turba folgazã;
A noite é um tanto agreste e cheia d'humidade
Mas o tedio mortal precisa a claridade
Que em vosso olhar trazeis, vizões do macadam!

Estatuas sem calor! vós sois das grandes vazas
D'um corrompido mar as Deusas menos vis!
Se á noite abandonaes, voando, as pobres casas,
E vindes pela rua enlamear as azas,
Quem sabe a fome occulta, as sedes que sentis!

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