Geral

SURSUM CORDA!

      Oh Sol, alma do mundo! esplendido portento
      D'um mar feito da luz! vulcão, cuja fornalha,
      Por entre um fogo eterno, expande o movimento
      Da machina febril do mundo que trabalha!

      E tu, Astro do amor, que, em noite silenciosa,
      Qual perola engastada em fulgidos brilhantes,
      Derramas tua luz serena e voluptuosa
      Nos seios virginaes das timidas amantes:

Quando Martha morrer...

Quando Martha morrer, depois do extremo arranco,
Não tratem d'orações;
Desprendam-lhe o cabello o vistam-a de branco
Á moda das visões.

Desejo vel-a então passar d'esta maneira
Depois de tal revêz,
Por entre a chama azul e tenue da poncheira
No fumo dos cafés.

Áquelle bom paiz das pallidas chymeras,
Monotonia azul;
Não temam que ella vá no fogo das espheras
Queimar o véu de tulle.

*A BELLA FLOR AZUL*

Quem saberá «signora» d'onde terá nascido esse bello lyrio branco?
     (Velha Comedia Italiana)

Eu não sou o fatal e triste Baudelaire;
Mas analyso o Sol e decomponho as rosas,
As rijas e crueis dahlias gloriosas,
--E o lyrio que parece o seio da mulher.--

Tudo que existe ou foi, morre para nascer;
Na campa dão-se bem as plantas graciosas,
E, um dia, na floresta harmonica das Cousas,
Quem sabe o que serei quando deixar de ser!

Ai de Mim!

Venho, torna-me velho esta lembrança!
D'um enterro d'anjinho, nobre e puro:
Infancia, era este o nome da criança
Que, hoje, dorme entre os bichos, lá no escuro...

Trez anjos, a Chymera, o Amor, a Esperança
Acompanharam-n'o ao jazigo obscuro,
E recebeu, segundo a velha usança,
A chave do caixão o meu Futuro.

Hoje, ambulante e abandonada Ermida,
Leva-me o fado, á bruta, aos empurrões,
Vá para a frente! Marcha! Á Vida! Á Vida!

Natal d'um Poeta

Em certo reino, á esquina do planeta,
Onde nasceram meus Avós, meus Paes,
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fôra não a ver jamais.

Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fé, n'uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!

E, embora eu seja descendente, um ramo
D'essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:

Prologo

Em hora de afflicçãô, molhei a penna
Na chaga aberta d'esse corpo amado,
Mas n'uma chaga a suppurar gangrena,
Cheia de puz, de sangue já coalhado!

E depois, com a mão firme e serena,
Compuz este missal d'um torturado:
Talvez choreis, talvez vos faça pena...
Chorae! que immenso tenho eu já chorado.

Abri-o! Orae com devoção sincera!
E, à leitura final d'uma oração,
Vereis cair no solo uma chymera...

LYRA IX.

Eu sou, gentil Marilia, eu sou captivo,
Porém não me venceo a mão armada
    De ferro, e de furor:
Huma alma sobre todas elevada
Não cede a outra força que não seja
    Á tenra mão de Amor.

  Arrastem pois os outros muito embora
Cadêas nas bigornas trabalhadas
    Com pezados martellos:
Eu tenho as minhas mãos ao carro atadas
Com duros ferros não, com fios d'ouro,
    Que são os teus cabellos.

APPARIÇÃO

    Como esse olhar é dôce!
    Dôce da mesma sorte
    Como se nunca fosse
    Toldado pela morte:

    Como se alumiasse
    O sol ainda em vida
    As rosas d'essa face...
    Agora carcomida.

    Colhesse-as eu mais cedo
    E logo que alvorece;
    Já não tivesse medo
    Que a terra m'as comesse.

    Mas pura, como a neve
    Que ás vezes cahe na serra,
    É que a nossa alma deve
    Tambem voar da terra.

_Resposta a huma Carta, que em boa Poezia citava o A. por huns Versos, que tinha promettido_.

A tua polida Carta,
Que honrou hum Poeta razo,
Escrita em pura linguagem,
E assignada no Parnazo;

Da mais injusta ambição
Traz testemunhos fieis;
Possues grossos thezoiros,
E citas-me por dez reis?

Quem do doce Anacreonte
Bebeo o estilo divino,
Quer prostituir seus olhos
Co'as Trovas do Tolentino?

Pago, em fim, divida louca;
Mas quem quer pontualidade,
Cuide tambem em pagar
As dividas da Amizade;

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