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LYRA XIV.

Minha bella Marilia, tudo passa;
A sorte deste mundo he mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
    Estão os mesmos Deoses
Sujeitos ao poder do impio Fado:
Apollo já fugio do Ceo brilhante,
    Já foi Pastor de gado.

LYRA XIII.

Oh! quantos riscos,
Marilia bella,
Não atropella
Quem cégo arrasta
Grilhões de Amor!
    Hum peito forte,
De acordo falto,
Zomba do assalto
Do vil traidor.

  O amante de Hero
Da luz guiado,
C'o peito ousado
Na escura noite
Rompia o mar,
    Se o Helesponto
Se encapellava,
Ah! não deixava
De lhe ir fallar.

Thuribulo suspenso inda fluctuo

    Thuribulo suspenso inda fluctuo,
    Em quanto a alma em incenso restituo;
    Mas, quando como fumo que se esvai,
    Minha alma! vás teu rumo... sobe e vai.
    Vai d'estas densas trevas, d'esta cruz,
    Levar-lhe... quanto levas, pobre luz!
    Amor, que em mim não cabe, vai depôr
    Em Deus, e Deus bem sabe se era amor;
    Se d'outra flôr o calix mais libei
    Por esses quantos valles divaguei;
    Se um nome em igneo traço li no céo,
    Nas ondas e no espaço, mais que o seu...

Beijo na face

    Beijo na face
    Pede-se e dá-se:
        Dá?
    Que custa um beijo?
    Não tenha pejo:
        Vá!

    Um beijo é culpa
    Que se desculpa:
        Dá?
    A borboleta
    Beija a violeta:
        Vá!

    Um beijo é graça
    Que a mais não passa:
        Dá?
    Teme que a tente?
    É innocente...
        Vá!

Não me admira a mim que o sol, monarcha...

    Não me admira a mim que o sol, monarcha
    De indisputavel throno, e throno eterno
            Em céo e terra e mar;
    Que em seu imperio o mundo inteiro abarca
    Abaixe á pobre flôr seu dôce e terno,
            Mavioso olhar.

    Não me admira a mim que a crystallina,
    Tão pura, onda do mar, que espelha a face
            Do astro creador,
    Que essas asperas rochas cava e mina,
    Á praia toda languida se abrace
            E toda amor!

... 21 DE SETEMBRO

    Ha uma hora ou mais,
    Marina! que contemplo
    A casa de teus paes
    Que é para mim um templo.

    Está a porta aberta,
    E vejo alumiada
    A parte descoberta
    Da casa da entrada.

    Lá andam a passar
    Do quarto onde acabaste
    Á casa de jantar
    Os vultos, que deixaste.

    Os vultos, que os vestidos
    Tão negros que pozeram,
    De luto, tão compridos,
    Não sei que ar lhes deram!

CARTA: _Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde D. Jozé de Noronha, hoje Marquez de Angeja_.

Senhor, eu não sou culpado;
Traçar outros Versos quiz;
Mas tenho perdido o trilho
Com as Trovas do Luiz;

A Muza, que ha pouco as fez,
Outra rima não me inspira;
Por mais que mordo nas unhas,
E que em vão tempéro a Lyra.

Acceitai meus bons dezejos;
E como homem de razão
Não desprezeis baixos Versos,
Quando os dicta o coração;

Minhas fiéis expressões,
Filhas de amor, e saudade,
O que não tem em poezia,
Lhe vai supprido em verdade.

*Nostalgia*

      Nos estuarios alpestres do Brasil,
      Onde o sol inflammado resplandece,
      A cabilda dos negros desfallece
      Sob o látego torpe e mercantil.

      Nas areias matisa-se febril
      O ouro virgem, e no spatho permanece
      O diamante, que arisco se aborrece
      Entre o cascalho estupido, imbecil.

      O escravo, quando avista um diamante
      De dezesete _carats_ quebra fôrro
      As algemas sorrindo triumphante.

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