Geral

Á sobremesa

_Variação sobre um Thema de Heine_

(A EGAS MONIZ)

Na sala de jantar da baroneza
A conversa cahira mollemente,
E um creado esguio, sorridente,
        Trazia sobremeza.

Os commensaes fallavam sobre a vida.
--Viver é ir morrendo lentamente--
Dizia suspirando, em voz sentida.
        Um lyrico doente.

A vida, accrescentou, volvendo os olhos,
Um bacharel vermelho, de melenas:
--É um jardim de lirios e de abrolhos
        De cardos e verbenas...

Quando me ergui e olhei, no céu profundo

Quando me ergui e olhei, no céu profundo
Um rastilho de luz pura e serena
Se ia embebendo nesses mares de orbes
Infinitos, perdidos no infinito,
A que chamâmos o universo. Um hymno
De saudade e de amor, quasi inaudivel
Parecia romper desde as alturas
De tempo a tempo. Vinha como involto
Nas lufadas do vento, até perder-se
Em socego mortal.
                  O curvo tecto
Do templo, então, se condensou de novo,
E para a terra o meu olhar volveu-se.
Da direita os espiritos radiosos

Boas noites coveiro...

Boas noites coveiro: a tua enxada
Não cessa ha tanto tempo de cavar?!
Cavalleiro da morte, ó fronte desolada
Não sentes a mão tremula e cançada
De tanto trabalhar!

Tu esperas hoje as legiões sombrias
De mortos, que eu supponho ao longe ver?
Os felizes caídos nas orgias
E os tristes que além todos os dias
O gelo vem colher?!

AMOR E PROVIDENCIA

      Em quanto eu, alta noite, velo e lido,
      Por vós mantendo innumeros cuidados,
      Dormis, caros filhinhos, socegados
      Em torno a mim o sonho appetecido!

      Dormis?! sonhaes de certo... e eu pae envido
      Meus esforços por vêr realisados
      Vossos sonhos gentis e perfumados:
      Ampara-vos um peito estremecido.

      Outro Alguem faz por nós o que eu vos faço:
      Com suprema bondade e sapiencia,
      Rege os mundos que rolam pelo espaço!

A CRUZ E O PÁRA RAIOS

      Da velha cathedral, esbella e rendilhada,
      Votada a ser mansão do Deus, author do mundo,
      Na flecha a mais gentil, campeia abençoada
      A cruz do Redemptor, da Gallilêa o oriundo!

      Nos impetos da fé, cortantes como a espada,
      O ungido do Senhor, d'olhar cavo e iracundo,
      Aponta á multidão, humilde e ajoelhada,
      Por seu supremo amparo a cruz, no azul profundo!

*CANTIGA DO CAMPO*

Como eu adoro as tuas «simplicidades!»
     (Heine)

Por que andas tu mal commigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!

Quando entre as mais raparigas
Vaes cantando entre as searas,
Eu choro ao ouvir-te as cantigas
Que cantas nas noutes claras!

Os que andam na descamisa
Gabam a violla tua,
Que, ás vezes, ouço na brisa
Pelos serenos da lua.

Á Luz de Lua!

Iamos sós pela floresta amiga,
Onde em perfumes o luar se evola,
Olhando os céus, modesta rapariga!
Como as crianças ao sair da escola.

Em teus olhos dormentes de fadiga,
Meio cerrados como o olhar da rola,
Eu ia lendo essa ballada antiga
D'uns noivos mortos ao cingir da estola...

A Lua-a-Branca, que é tua avozinha,
Cobria com os seus os teus cabellos
E dava-te um aspeto de velhinha!

Ó Virgens!

Ó virgens que passaes, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar...

Cantae-me, n'essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formozura, o luar!

Cantae! cantae as limpidas cantigas!
Das ruinas do meu lar desatterrae
Todas aquellas illuzões antigas

Que eu vi morrer n'um sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me n'essa voz... Cantae!

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