Geral

Lyrica chineza

I

Lembra-me a hastea comprida
Dos lyrios brancos em flôr,
A elegancia apetecida
Do seu corpo tentador.

II

Da sua côr singular
Dá uma ideia leve
A pallidez do luar,
Batendo um floco de neve.

III

Nem o breu, nem o carvão,
Nem a noite sem estrellas,
Têm a densa escuridão
Das suas tranças tão bellas.

IV

A sua bocca, a sorrir,
Quando mostra os alvos dentes,
Lembra perolas d'Ophir
Entre dois rubís fundentes.

V

Ó vultos ideaes, fantasticos e bellos...

Ó vultos ideaes, fantasticos e bellos,
Que ás vezes revoaes nas salas deslumbrantes,
N'um grande mar de tulle, ethereas, fluctuantes.
Aos suspiros fataes dos meigos violoncellos;

Que bom que era sonhar nos pallidos castellos,
Á noite, á beira mar, nas solidões distantes,
Nos tempos em que a flôr dos timidos amantes
Á lua confiava os intimos anhelos!...

Agora sois gentis, despepticas, vistosas;
Pagaes por alto preço as exquisitas rosas;
Nos rapidos wagons correis o mundo em roda;

RESIGNAÇÃO

«No teu seio reclinado
Dormirei, Senhor, um dia,
Quando for na terra fria
Meu repouso procurar;

Quando a lousa do sepulchro
Sohre mim tiver cahido
E este espirito affligido
Vir a tua luz brilhar!

No teu seio, de pesares
O existir não se entretece;
Lá eterno o amor florece;
Lá florece eterna paz:

Lá bramir juncto ao poeta
Não irão paixões e dores,
Vãos desejos, vãos temores
Do desterro em que elle jaz.

Taciturno

Há Ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais -
Joia profunda a minha Alma a luzes caras,
Cibório triangular de ritos infernais.

No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe rial de herois d'Outras bravuras
Em mim se despojou dos seus brazões e presas.

*DISPUTA*

Voltaire dando com o pé n'uma caveira, ria
Com certo riso mau, sinistro e mofador;
--A velha companheira, então, da Theologia
Dos santos e da Cruz bradou ao pensador:

--És tu impio Voltaire, ó verme roedor
Das folhas do Evangelho! ó Satan da ironia!
Cujos risos crueis fazem chorar Maria,
E despregam do lenho a ensanguentada flor!?

Tu tens lançado o cuspo aos astros lancinantes;
Abalado da Cruz os cravos vacillantes;
E ladrado de Deus que julgas a dormir!...

Passagem das Horas

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite... Acordo de repente
Yat-iô--ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô ... Ghi-...
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade

Continua a Tempestade

Aqui, sobre estas aguas cor de azeite,
Scismo em meu lar, na paz que lá havia:
Carlota, á noite, ia ver se eu dormia
E vinha, de manhã, trazer-me o leite...

Aqui, não tenho um unico deleite!
Talvez... baixando, em breve, á Agoa fria,
Sem um beijo, sem uma _Ave-Maria_,
Sem uma flor, sem o menor enfeite...

Ah! podesse eu voltar á minha infancia!
Lar adorado, em fumos, a distancia,
Ao pé de minha Irmã, vendo-a bordar...

BOAS NOITES

    Estava uma lavadeira
    A lavar n'uma ribeira,
    Quando chega um caçador.

    --Boas tardes, lavadeira!

    --Boas tardes, caçador!

    --Sumiu-se-me a perdigueira
    Alli n'aquella ladeira,
    Não me fazeis o favor
    De me dizer se a bréjeira
    Passou aqui a ribeira?

    --Olhai que d'essa maneira
    Até um dia, senhor,
    Perdereis a caçadeira,
    Que ainda é perda maior.

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