Era um homem velho, artesão de sonhos,

Aquele que eu via no largo da aldeia.

Como eu gostava de o ver chegar

Envolto em trapos feitos de memórias.

Um corpo esguio, esculpido pela fome,

Um saco vazio, tão cheio de histórias.

Eu sentava ali, bem perto do chão,

Enquanto ele olhava tão sofregamente.

Tirava do bolso um naco de pão,

Depois, só depois, voava no céu.

Sem pasta, sem livros, que bem ele lia

Os meus olhos negros trazidos de casa.

Então, eu subia, subia, subia

através da poesia imagino um retrato onde reúno os bailados do meu crescimento; onde patenteio o vigor das minhas reflexões; onde exploro as desgraças e as alegrias mundanas; onde concluo uma transcendente missão nos deslumbrantes trilhos da sapiência.

o desejo de pertencer àqueles que dignificam a sua existência através dos conselhos que dão; que transportam na alma ideias que ofuscam as figurações triviais; que renovam o ar que respiram porque ultrapassam a dor humana.

Não provoca meu inferno, não!
Nem quero revelar meu telhado
O mínimo é meu
Os átomos também
Todas as minhas lágrimas
Estão enrustidas
O final do arco-íris
Não beneficia ninguém
Quero viver sem esta cantiga
Tenho sangue também

EU te dou a paz
Na crise da guerra
O sal da Terra
Não temperou este negócio
Todo dia ele cria mais um sócio

a terapêutica da poesia guinda os nossos fervores até ao venerável lugar onde desprendemos os nossos desejos e as teias da nossa sensibilidade; onde expressamos os nossos falhanços e os nossos destemperos; onde repelimos os arquétipos que nos causam pruridos intelectuais.

avalio os fardos que me cingiram e a luta que encetei contra a propagação dos meus medos: por causa daqueles que me feriram a alma exilando-me depois do convívio dos homens; por causa daqueles que me fizerem sofrer quando me contagiaram com um exacerbado rancor.

os problemas que superei fazem-me acreditar na minha resiliência e nas atuações lúcidas da minha têmpera; na enorme vontade que usufruo para impugnar tantas convulsões e tantos açoites simbólicos; tantas mensagens fraudulentas.

a poesia mitigou os dramas da minha adolescência: os desenlaces severos que expiei, feitos de tormentos e de reclusões; as farpas cravadas na minha ingenuidade através do jeito trocista de muita gente que conheci.

reúno em livro as minhas dissertações poéticas para que a evolução das minhas utopias seja indelével e fundamentada; para que eu me possa isolar das controvérsias que me torneiam; para que eu possa colorir os semblantes melancólicos das pessoas.

a poesia há de transformar o mundo outorgando-lhe vocábulos que sustentem a sua determinação em batalhar contra o que é feio ou cruel: porque o que transborda desses vocábulos é uma agudeza que se prolonga para além da literatura: porque essa agudeza redunda num tropel de veracidades que se engasta na mente humana.