A vida diante do espelho

A vida diante do espelho

 

Sentada no chão, diante do espelho

acompanhou cada passo de sua vida

seus olhos viam outra pessoa

que em lágrimas se exigia o vigor

das idas e vindas da vida em dor

 

Em todos os anos que o corpo de mulher enclausurou

estava o homem só, que a vida tudo ensinou

menos a ser homem, porque em meu peito

um coração feminino sempre reinou

um singelo botão formado em flor

 

Na pele macia que o tempo tirou o viço

na doçura da voz que se perdeu no brado

nos sonhos guardados desde menina

no auto flagelo de ser homem

que só não lhe roubou a essência feminina, ali vivia

 

Na luta pelo pão de quem não tinha pai

na luta pelo irmão a quem o pai não queria

na luta pela auto preservação

em um mundo masculino

onde beleza era reflexo de perversão

 

O espelho não mentia, em cada traço jazia um pedaço

dos seus dengos e desejos de mulher

dos proibidos deleites da dança

a inocência da imaturidade nos desejos de criança

na vida da fatalidade sem esperança

 

Ali no espelho estava a dor de voltar a ser mulher

por não conseguir ser mais homem

por procurar um cuidador

porque não mais tinha em seu espírito a força para lutar

porque queria tão somente o prazer de conhecer o recíproco amar

 

Diante do espelho no chão frio da casa

entre o desejo de ser mulher e a obrigação de te sido homem

havia um ser humano imerso em desamor

quase flor, meio pedra, envolto em dor

entre o que necessitava ser, é que o desejava ardentemente viver

 

Não era uma escolha de gênero ou tendência mundana

era a ausência da escolha que a vida lhe imputara

lá estava a alma em meio ao mundo que sempre fora seu

e que com bravura tomou pela mão de uma dama

mas que o tempo ladino, sem perceber lhe tomará o tino

 

Quem era a alma, que o pranto derramava?

que a loucura rondava

que a fraqueza debilitava

que a beleza se via escondida pela pobreza

quem era o ninguém que se via sem um além?

 

Seu pranto era lágrima de dor

seu desejo, carência de amor

sua tristeza era da certeza da imutabilidade

suas dores físicas a ciência da fraqueza

sua alegria, a muito se tornara tristeza

 

Então o que a vida lhe reservará?

algo que o destino lhe tomara?

o que o caridoso chão lhe destinava?

apenas agradecer o teto benevolentemente cedido?

o pedaço de pão que a caridade não lhe permitia, por piedade, faltar na solidão.

 

Hygora Hoxy

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