a falésia desmedida
Autor: António Tê Santos on Tuesday, 1 November 2022aparto-me das multidões para me libertar das suas posturas nocivas: para esgrimir contra as atoardas que injuriam; para espremer as ignomínias que persistem na sua verbalidade.
aparto-me das multidões para me libertar das suas posturas nocivas: para esgrimir contra as atoardas que injuriam; para espremer as ignomínias que persistem na sua verbalidade.
bloqueio as atuações mundanas para pelejar contra os seus enlaces pútridos e as suas divergências inflamadas; e para repreender os seus discursos malvados quando transpõem o umbral da literatura para deprimirem a poesia.
a poesia ignora os gritos obscenos das multidões quando exalta a sensibilidade daqueles que procuram a sua luz fulva e redentora; ou quando investiga as querelas sórdidas no alforge do mundanismo.
sou uma sentinela desabrida que busca a verdade para se poder serenar; que rejeita as sevícias e os dislates humanos; que encontra na poesia o bálsamo que nulifica os seus impulsos cruéis.
há timoneiros que esculpem nos povos arremedos distantes das suas raízes; que libertam o cheiro acre da violência naqueles que os impugnam; que ostracizam aqueles que se protegem dos seus clamores furibundos.
relevo a poesia que dirime a tristeza do seu autor; que robustece os aforismos que proliferam nos cânticos rotineiros; que extrai do seu âmago a ternura para que ela possa singrar.
o poema fundamenta sortilégios benignos quando a ambiência derredor é inclemente: ele multiplica-se numa campânula que se fratura para gerar erudição; e a textura crassa da morte já não persiste quando ele destapa uma ovacionada melodia.
observo as astúcias mundanas para nelas entretecer filamentos de sinceridade; para obstruir os sentidos inúteis que compreendem; para censurar os esmeros perversos que integram nas suas tortuosas ordenações.
creio na eminência da minha vontade quando me protejo dum mundo que desdobra os seus tentáculos sobre a minha inteligência; que sobrepõe às minhas escolhas o seu arbítrio; que amachuca os meus ideais.
existem flores por cultivar num mundo que reitera práticas antigas: o desmembramento das coisas importantes que fluem na nossa sensibilidade; as lágrimas nascidas do revolutear da fantasia no palco das desafeições.