Entrevista com o nosso autor Leonardo Camargo Ferreira
Pequena Biografia:
Leonardo Camargo Ferreira, 24 anos, nasceu no concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, onde, até aos dias de hoje, sempre residiu. É Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2020) e Mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (2022), com a dissertação "Porque eu sou do tamanho do que vejo/E não do tamanho da minha altura": as escolhas dos cursos de ensino superior e as expectativas estudantis de bem-estar. Tem também 3 obras de poesia publicadas – uma pela editora Mosaico de Palavras, intitulada Abundância Sentimental (2017), e duas mais recentes pela Poesia Fã Clube, que têm como título Mutações (2023) e Cidades Híbridas (2024). Escreve igualmente, de forma voluntária, artigos de opinião para algumas entidades reconhecidas, como os Jornais Público e Observador ou a plataforma cultural Gerador, tendo mais de uma centena de artigos publicados deste cariz. É apaixonado pela área da educação, o que o motivou a ser Formador de Sociologia. É bastante autocrítico de si mesmo e das produções que elabora, porém, também consegue visualizar-se como uma pessoa altruísta, coerente e colaborativa.
- Qual foi a inspiração por trás da sua última obra publicada?
R: Para a publicação da minha terceira obra, Cidades Híbridas, o que mais me motivou foi a possibilidade de construir uma espécie de antologia com escrita recente acerca dos meus pensamentos, sentimentos e vivências. Queria que fosse uma obra em que eu olhasse e identificasse um trabalho bem feito, com complexidade poética e criatividade abundante. Por isso, nada melhor do que navegar em 2023 e selecionar a maioria dos poemas que produzi nesse ano, dado que foram vários meses de muitos acontecimentos que me inspiraram a escrever mais e melhor. Para além disto, há que salientar também o papel do meu conhecimento sociológico sobre o mundo. A minha intenção era a de que o livro que saísse daqui pudesse cruzar tramas pessoais com reflexões acerca de como se produz e reproduz sociedade. E penso que Cidades Híbridas consegue um equilíbrio interessante entre essas duas dimensões.
- Que temas você explora frequentemente nas suas obras?
R: Tento sempre, e isso é do que mais me orgulho, que as temáticas exploradas nos poemas e subsequentes obras que realizo e publico sejam multidimensionais, isto é, que abranjam vários temas, às vezes conectados, às vezes mesmo interdependentes. Existem assuntos que constituem uma dialética entre dois opostos – por exemplo, é muito difícil falar de morte sem falar de vida, ou abordar a riqueza sem constatar a pobreza e as desigualdades entre as pessoas. Porém, há poemas meus que podem conter amor, amizade, questões económicas, padrões de comportamento e referências a jogos tudo nos mesmos versos. Gosto frequentemente de tentar inovar, até mesmo nos títulos que costumo dar aos meus poemas. Todavia, penso que os temas que mais frequentemente podemos encontrar nos meus poemas são o carinho e o afeto, a autocrítica, alguma política, e o questionamento das regras e padrões soci(et)ais. Ah, e a homossexualidade, como expressão de uma condição muito relevante do meu próprio ser pessoal e poético.
- Quais são os desafios que enfrenta durante o processo de escrita?
R: Ah, imensos! Desde a qualidade do que estou a fazer à repercussão que terá junto dos leitores, passando pelos bloqueios criativos frequentes que obrigam a algumas novas leituras e pesquisas. Apesar de ter três livros publicados e de ter escrito imensos artigos de opinião, estou sempre a pensar que o que escrevo não é inovador nem transformador, que não chega às outras pessoas, que não lhes interessa porque já conhecem quem tenha feito mais e/ou melhor. Talvez viva face a face a um típico complexo de inferioridade que os escritores comummente revelam. Contudo, tal advém da pressão que me coloco para o caráter diferenciador da arte literária que estou a criar. Quero que os poemas sejam parte de novas formas de perspetivar o mundo e tragam novas teias de pensamentos, algo que na maior parte das vezes não é fácil. Aliás, ao lermos os já clássicos Fernando Pessoa, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner ou Miguel Torga ficamos encantados com a beleza das suas produções e, também, de certo modo desmotivados porque reconhecemos-lhe muito mérito no seu trabalho e que será difícil suceder-lhes. Não obstante, que a sua leitura seja propiciadora de vários desafios, pois é apenas através desses mesmos desafios que cada escritor, cada poeta, aprende a ser diferente e a desenvolver-se enquanto artista e revelador/metamorfoseador do mundo.
- Qual é o maior desafio que enfrentou como escritor até agora?
R: Neste momento estou em crer que o maior desafio passa por crescer dentro do mercado cultural poético português. Aos 24 anos ter esta quantidade de obras publicadas sozinho, ou seja, em autoria única, e também ter participado em algumas co-autorias pontuais, deixa-me mesmo muito feliz, mas também muito motivado a fazer mais. E o “mais” tem mesmo de, em simultâneo, ser melhor. Todavia, num contexto nacional em que a poesia se torna progressivamente desvalorizada e em que apenas um conjunto de poucos autores adquirem uma aura de consagração, torna-se verdadeiramente complicado enfrentar este conservadorismo em relação aos novos autores. Onde estão os autores de 18, 20, 20 e tal anos, 30? Quem os conhece? O que escrevem, de que região do país são, quem os publica? Confesso que desconheço muito esta franja da população escritora, porém, acredito que parte dessa ignorância advém da falta de atenção, publicação e divulgação do trabalho feito pelos jovens. Gostava muito de me sentar a conversar com jovens que, tal como eu, publicaram cedo os seus escritos, mas tenho tido muita dificuldade em encontrá-los – e essa ausência de uma comunidade de poetas jovens mais consolidada é também um outro desafio pessoal e coletivo a ter em conta na minha jornada.
- Como você equilibra a necessidade de originalidade com a compreensão
das expectativas do público leitor?
R: Não tenho uma resposta rápida ou fácil para esta pergunta porque o equilíbrio é ele mesmo complexo. Até porque, admito, não recebo tanto feedback assim daquilo que escrevo e publico. Aliás, o que tenho pedido mais a quem adquire exemplares dos meus livros é que me possam dar testemunhos, orais ou escritos, sobre o que acharam dos poemas. É essencial para nós, escritores, que consigamos compreender como foram recebidos os nossos escritos do outro lado, sobretudo porque este é um mercado sensível composto de muitas expectativas face ao nível de reconhecimento que recebe. Lembro-me de um amigo que leu a minha obra Mutações e, sendo ele cantor, acabou por “passar a pente fino” o livro, revelando-me que poemas gostou mais, o que sentiu especificamente em alguns deles, a própria conexão que ele identificou entre poemas diferentes ao longo da obra. Isso para mim foi maravilhoso, deu-me ferramentas para prosseguir caminho às quais eu não estava tão habituado. O retorno que recebo é, sobretudo, de amigos e familiares que costumam elogiar o trabalho acabado. Contudo, gostaria de criar um conjunto de “fãs”, ou melhor, de pessoas-leitoras simplesmente que me pudessem transmitir o que está bom e onde posso aprimorar. Para isso preciso de crescer ainda mais, que as obras cheguem mais longe. Até lá, voto pela originalidade, até porque sinto que o público leitor há de sempre apreciar tentativas – bem construídas – de criar algo novo.
- Você acha que a escrita é mais um talento inato ou uma habilidade que
pode ser aprendida e aprimorada ao longo do tempo?
R: É uma pergunta muito interessante! Até porque algo me diz que uma parte relevante das pessoas afirmaria que acaba por ser muito talento ou um balancear entre este e as habilidades desenvolvidas com o tempo. Todavia, na minha opinião, a escrita, bem como qualquer competência que aprendemos em contexto de sociedade, é puramente trabalho efetuado com esforço e empenho. Posso estar enganado, e confesso desde já aqui o potencial erro, mas daquilo que sei ou reconheço não existem provas científicas que afirmem com certeza que se nasce com um gene propício à qualidade artística, desportiva, matemática, etc. A criatividade constrói-se no empreendimento, o “talento” é fruto do quanto queremos dar de nós no sucesso de um projeto. Eu sigo-me muito pelas constatações ou propostas que o sociólogo Norbert Elias traça em Mozart - Sociologia de um Génio. Nesta obra, criticando as posturas naturalistas de que o talento ou as aptidões nascem com cada pessoa, Elias chama a atenção de que a qualidade da mestria de Mozart advém do contexto em que este foi socializado, muito por força da educação rigorosa e de trabalho árduo que o seu pai lhe incutia. O seu caráter de artista foi-se construindo a partir disso. Como tal, comprova-se que o talento de um artista é produto da disciplina, do esforço, das ações que as pessoas fazem. Como dizia a Simone de Beauvoir, “não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres”, e o mesmo é aplicável para qualquer condição social, como a condição de artista.
- Quais são seus hobbies ou interesses fora da escrita?
R: Para além da escrita e da leitura gosto de entrelaçar hobbies comuns com outros não tão frequentes, talvez. Sou um jovem, e como muitos jovens adoro assistir a filmes e séries, ir ao cinema, ouvir música, passear e estar com os meus amigos ou mesmo jogar alguns videojogos ou jogos de tabuleiro. Também adoro acompanhar animes e outros elementos da cultura japonesa, dado que o Japão é um país que me envolve e seria o destino turístico número 1 se pudesse escolher entre todos os países do mundo. Por outro lado, o ser jovem é também muito heterogéneo, como trabalhou muito bem o sociólogo José Machado Pais nas suas investigações científicas sobre as culturas juvenis. Eu, por exemplo, no âmbito dessa diversidade gosto também de escrever e de acompanhar assuntos políticos na televisão (aprecio muito assistir a comentários sobre declarações e debates dos governantes e de outros políticos). Ou seja, entre o conhecimento e o lazer posso encontrar a minha pessoa e os seus interesses.
- Que conselho você daria aos escritores aspirantes?
R: Aprecio a ideia de já não me colocar no grupo dos escritores aspirantes (risos). De facto, penso que irei sempre ser aspirante, desejando conceber novos conteúdos poéticos e diálogos diferentes com as outras alteridades e o mundo. No entanto, enquanto autor já publicado, um conselho que posso dar é o de nunca desistir. Quando comecei a escrever, na passagem de 2013 para 2014, não imaginava que fosse publicar em 2017. Mas nessa altura já tinha mais de uma centena de poemas escritos para que, um dia, se tal acontecesse, estivesse preparado com material a ser avaliado e publicado. Ou seja, nunca desistam, pois com trabalho chega-se sempre aos sítios. Depois, outra recomendação que posso deixar é a de lerem bastante e de partilharem aquilo que escrevem com pessoas que gostem de ler, de escrever ou que simplesmente gostem de vocês. Se bem que os nossos pais e os nossos amigos vão sempre elogiar-nos e proteger-nos (risos), pelo que o melhor seria tentarem também junto de outras pessoas imparciais ou, pelo menos, com amigos e familiares que tenham o tal gosto pela escrita e pela leitura. No fundo, sentir-se-ão mais acompanhados, que alguém vos escuta e vos dá um olhar acerca do trajeto que podem percorrer. E, olhem, para me ajudar a criar a tal comunidade de jovens poetas de que falei acima nesta entrevista! Por último, um terceiro conselho é o de se “atirarem” para as participações e concursos poéticos. Arrisquem, enviem os vossos melhores trabalhos para esses eventos e certames, visto que é muitas vezes assim que outras pessoas vos conhecem. Um dos acontecimentos bastante felizes foi o ter alcançado o 1.º prémio do meu escalão quando participei num concurso interescolas de Gaia, em 2014. Desde aí vi que seria possível fazer mais e mais e que poderia ter o reconhecimento que queria – e que me está a permitir, hoje, dizer-vos como podem chegar mais longe. Acima de tudo, e isto poderá ser um clichê, mas escrevam de coração, do interior. Usem a vossa voz para proclamar as emoções que têm e os aspetos que podem ser melhorados na nossa convivência enquanto seres humanos. Escrevi uma vez, há vários anos, as seguintes frases: “Para o escritor, basta apenas um papel e um lápis. A partir disso, a inspiração flui, construindo o pensamento. Culmina tudo na alta criação”. Deixem que essa fluição e essa criação sejam parte dos vossos ritmos poéticos também.