Entrevista do mês de Fevereiro de 2014: Rogélia Maria Proença
Quem é a Rogélia Maria Proença?
R: Sou portuguesa, tenho 42 anos, nasci na Covilhã, cidade na encosta da Serra da Estrela, com o vale do Zêzere (onde se situava a terra dos meus avós) a seus pés. Estas referências naturais, a Montanha e o Vale, estes lugares de Luz, da minha infância e adolescência foram muito marcantes no meu percurso, pois sempre os considerei o meu pequeno Paraíso. Mais tarde, fui estudar para Coimbra, cidade que também me marcou profundamente, em toda a sua mundividência.
Sou Mãe de duas meninas há 17 e 13 anos e professora de Português e Francês há 20… Que mais poderei dizer? Sou uma pessoa normal como tantas outras, que sempre tenta ser feliz, adoro a Vida em todas as suas formas…
E escrevo desde sempre… Sempre fiz da escrita diálogo íntimo e caminho, quer em papel quer nos blogues Palavras Andarilhas (clube…), Livro dos Silêncios blog, entre outros…
Actualmente, sou também a Autora da trilogia poética, Um Amor que Vence Chronos, O Livro dos Silêncios e Pó de Estrelas.
O que é para si a Poesia e qual a sua importância na sua vida?
R: Na verdade, para mim, Escrever, sempre foi sinónimo de Viver… E, mesmo como professora que sou, também sempre defendi o papel pertinente, sempre que possível, do professor co-actor e co-autor dos curricula, motivando, pelo exemplo, os meus alunos à criação, à busca da produção e valorização cultural, sem tréguas e sem comodismos.
Mas, a verdade ainda é que não podemos fugir, por muito tempo, da nossa essência… Jorge Sousa Braga diz que: «É muito difícil guardar um rio quando ele corre dentro de nós…» E é exactamente isso que sinto…
Concordo com António Ramos Rosa, quando afirma, na sua obra Em Torno do Imponderável, que: «O Tempo excede-nos num movimento circular que vai além da vida que vai além da morte.» … E identifico-me perfeitamente com o sentir de Sophia de Mello Breyner Andresen ao declarar: «E no quadro sensível do poema, vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida.»
Costumo dizer que a poesia nasce da vida, como as folhas das árvores, naturalmente…Ela estabelece em nós uma aliança com tudo o que existe...Conecta-nos, como elementos de um Cosmos que nos é simultaneamente interior e exterior. Daí que eu goste tanto da ideia de que somos "pó de Estrelas", pedaços de Luz. Diz-se que a poesia (onde a palavra ganha sentido, em toda a sua polissemia, plurissignificativa e conotativa) é pintura que se move e melodia que se lê, ouve e sente, envolvendo todos os sentidos.
Encaro a escrita como um Espaço de partilha onde se encontra a Paz que se procura, num mundo pleno de solicitações, ruídos e pensamentos científicos que nos reduzem a existência. Escrevo catarticamente, para sublimar as dores, encontrar os caminhos, os reinos, regressar à essência, encontrar a matriz. O verdadeiro Eu.
Afinal, pela escrita, também somos, já dizia Vergílio Ferreira. Inscrevemo-nos num espaço de Partilha e de identificação com o Género Humano. Aí não há origem, sexo, religião, deficiência, cor, classe social. Esse é o Lugar por excelência da criação e do género humano.
Revalorize-se o Amor, as emoções, o vagar, o brilhar… contrarie-se a pressa, o vil metal, as prioridades invertidas e tudo o que tanto nos troca a humanidade. Fixemos o real, eternize-se o momento, esse que cai e não volta, esse que parte e resta em nós. Carpe diem. «Colhe o dia / Já que és ele», no dizer de Ricardo Reis.
Caminhe-se ao ar livre, sinta-se a calçada, a brisa, observe-se a flor, o insecto, as tonalidades de azul, o mudar das estações lá fora e em nós, filtre-se o luar, o amanhecer… Encontremos na escrita poética a construção e recriação do ser. Esse lugar invisível onde SOMOS, onde existimos, onde é possível ser livre (e talvez só aí…), ser mais, ser refúgio do TEMPO. Ser espaço e tempo indivisível e intemporal. Um lugar refúgio, um lugar-lar, onde é possível entrar e estar. Criar e amar. Ficar e renovar…
Fale-nos um pouco do seu percurso literário...
R: O meu objectivo, ao enviar os poemas à Corpos Editora, Poesia Fã Clube, era inicialmente participar num concurso de poesia. Contudo, a editora gostou tanto da minha poesia que quis editá-la imediatamente, ainda antes do Natal de 2013.
Na verdade, apesar de escrever desde sempre, os escritos têm estado guardados em Livros em Branco e compilações manuscritas, à espera do momento certo… Publicar era um sonho que sempre fui adiando em prol de outros sonhos igualmente urgentes, a nível pessoal. Sempre colaborei em publicações, jornais locais e sempre estive do lado da promoção da escrita. Agora que decidi tentar, estou decidida a investir nesta minha faceta, para partilhar com os outros os mundos interiores que me povoam, pois todos somos igualmente humanos e houve, de facto, neste Verão razões que me levaram a tornar real esta Missão.
Desde aí, três livros de poesia publicados, e tendo já colaborado em duas antologias “A Poesia sem gavetas” e “Antologia do Conto infantil: conta-me essa história outra vez, 100 histórias”, de outra editora, participei , mais recentemente, em Janeiro, também, em Lisboa, na Fábrica Braço de Prata, no Primeiro Encontro de Escritores Portugueses e Brasileiros, tendo sido convidada a participar no stand da Literatura Lusófona, na Feira do Livro em Gotemburgo, na Suécia, em Setembro próximo, onde o Brasil será homenageado.
Seria bom que o nosso País e as Autarquias continuassem a apoiar os criadores, pois motivação e inspiração continuam a existir, apoios, patrocínios solicitam-se… !
Lancei, portanto, nos passados dias 30 /11 e 13/12/2013, respectivamente no Hotel Turismo e na Biblioteca Municipal da Covilhã, os meus dois livros de poesia, Um Amor que vence Chronos e Livro dos Silêncios, através da editora Poesia Fã Clube. O primeiro lançamento contou com a apresentação dos autores dos prefácios e prólogo dos livros, Ana Ângelo, Teresa Sampainho e Nuno Teixeira, que, tal como eu, estudaram na Universidade de Letras da Universidade de Coimbra, partilhando, portanto, vivências e memórias significativas. Ambos os lançamentos foram também abrilhantados com momentos musicais a cargo de Adriana Pais e Ruben de Matos e com récita por Maria Matilde e Inês Jorge (as minhas filhas) e pelo Clube dos Leitores Vivos (CLV) da EB 2/3 do Tortosendo.
As duas obras poéticas são o prolongamento temático e cronológico uma da outra, espelhando o amadurecimento existencial da autora, sendo que Um Amor que vence Chronos possui, no entanto um carácter mais solar, refrescante e optimista, próprio da juventude dos vinte, altura em que a maioria dos poemas foi escrita, em relação ao Livro dos Silêncios, de pendor mais soturno, reflexivo e com um hiato temporal de escrita mais abrangente, desde o ano de 1989, passando pela década de noventa até ao ano de 2013. Os topos de inspiração poética estão associados a “lugares-chave” que de alguma maneira me marcaram profundamente, tais como Coimbra, o Peso, o Dominguiso, o vale do Zêzere, a Serra da Estrela e o mar.
De carácter confessional, intimista e amoroso, a minha poesia espelha influências várias e eminentes da poesia portuguesa, desde Camões, passando por Antero de Quental, Pessoa, Florbela Espanca, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner e António Ramos Rosa. Porém, este diálogo com os “grandes” da literatura reveste-se de uma feminilidade criativa e inovadora, que acaba por ser única e bastante sui generis, segundo os críticos literários. Deste modo, vida, sonho, esperança, plenitude, inconformismo, sede existencial, fome de transcendência, cisão interior, reflexão sobre o acto poético, saudade, demanda do eu e do outro e prazer de ser Mulher, nas suas diversas vertentes, são os leitmotiv desta obra.
Tendo em conta o meu primeiro acervo poético, “Um Amor que vence Chronos”, é notória a importância atribuída ao Amor, visto que surge inclusivamente maiusculizado. Atribui-lhe o sentido de um Amor em sentido lato e transversal, que inclui três tipos de Amor: Amor Philia (amizade)/ Amor Agape (fazer o bem ao outro)/ Amor Eros (sensual). O Amor é a Mola da vida. Omnia Vincit Amor, Virgílio. O Amor vence todas as coisas. Eterniza e transporta-nos por cima de todas as realidades…
“Um Amor que vence Chronos” possui uma perspectiva diacrónica: um Amor que vence o tempo e é fiel à sua essência, ao deslumbre e magia iniciais. Um amor particular, mas também um Amor, maiúsculo, intemporal, sem Tempo, sem Espaço. Um Amor à essência do Ser-se Humano. Um Amor à Vida, à Terra-Mãe, ao Outro, companheiro de viagem, que jamais abandonaremos; possui ainda uma perspectiva sincrónica: um amor que vence o Espaço, que resiste às migrações, às divisões/cisões forçadas pela distância. Daí o topos da saudade ser nota dominante em ambos os livros. Sendo contudo o “reino” que se cria dentro do Ser, para se poder resistir ao “exílio” imposto pela realidade.
Já o terceiro volume desta colectânea poética, culminando a Trilogia como previamente prometido, tem como título é Pó de Estrelas, pois todos somos pó de estrelas... Astros, humanos, amores perfeitos... Todos estamos interligados. Ar, Fogo, Água e Terra, os quatro elementos essenciais da Natureza, assumem aí por excelência o lugar que nos ergue e constitui... Valerá a pena ler, espero despertar-vos a curiosidade, pois a leitura é sempre este diálogo assombroso em que o Autor fala e a Alma do Leitor responde...
Que outras formas de arte a atraem?
R: Todas as formas de Arte, como hino à vida ou denúncia dos atropelos da mesma, ou ainda como testemunho da História, me atraem imenso e oriento, inclusive, os meus tempos livres em função da arte que desejo apreciar, visitar, aprofundar…
A música, a arquitectura, a dança, a pintura e escultura, o patchwork, a sétima arte enchem e preenchem os tempos de ócio… Por vezes, inspiram-me, outras vezes, provocam-me, inundam de Beleza a minha Vida e sublimam a rotina.
Dê-nos uma sugestão para a Poesia fã clube...
R: Penso que poderão, talvez, aliar o design original dos livros, à edição de CD áudio e book trailor para os livros de poesia, para tornar o produto ainda mais atractivo, pois a cultura alia cada vez mais as várias formas de arte, de forma ecléctica.
Sugiro também edições colectivas, antologias onde a fotografia ou a ilustração, de outros artistas, portanto, se combine com os poemas em colectânea, por exemplo. Ou ainda eventos em que os vários Autores possam trocar ideias e saberes…
Seria também muito interessante ver excertos dos nossos poemas nos pacotes de açúcar, nos pacotes de leite… distribuindo o sentir, apurando o olhar, em cada gesto do quotidiano, para que assim a Palavra sempre nos acorde…
Obras marcantes:
Para quem sempre fez da literatura o melhor dos passatempos e dela fez também profissão e dedicação, será difícil escolher quais as mais marcantes, ao logo deste percurso de vida…
Ainda assim, e por razões diferentes, poderia referir O Príncipezinho, Antoine de Saint Exupéry, O Diário de Anne Frank e Siddharta, Herman Hesse, na adolescência.
Bem como L’Exil et le Royaume, Albert Camus e Un Homme qui dort, Geroges Pérec, Rhinocéros, Ionesco, entre outras da literatura francesa ou ainda, as referências clássicas incontornáveis, Ilíada e Odisseia, de Homero, Eneida, de Virgilio, no âmbito da História da Cultura Clássica e Os Lusíadas, Camões, que nunca me canso de reler e ensinar com assombro; Várias obras vergilianas, entre as quais, Para Sempre, Até ao Fim, de Vergílio Ferreira, o meu escritor português preferido, aliás, no que ao romance diz respeito, ou ainda Terra Sonâmbula, Mia Couto.
Sublinho ainda a influência de poetas contemporâneos no meu percurso: Sophia (Geografia e Livro Sexto) Ramos Rosa (Obra completa), Fernando Pessoa ortónimo e heterónimos e Miguel Torga (Poesia Completa), Natália Correia (O Luar dos Dias e o Sol das Noites).
Mais recentemente, poderei considerar também marcantes os romances históricos de ken Follet, Dan Brown entre outros e alguns romances, de leitura mais ligeira, de Nicholas Sparks.
Fonte de inspiração:
As pessoas que amo, um lugar do Passado, um detalhe da memória, um brilho de luz nos momentos vividos, nos lugares visitados, um acorde, um som que ressoe na alma, os lugares mágicos da minha Serra da Estrela, esse meu Locus amoenus, esse Pequeno Paraíso, banhado de Azul forte, dentro de nós… Uma pequena flor, um regozijo, um conto, o sorriso das crianças, a Voz que no nosso íntimo sempre ressoa… Um dia de Sol, uma obra de arte, a Beleza das coisas simples e gratuitas, a vida num átomo.
Várias são as fontes de inspiração… A Vida é a inspiração.
Filme Preferido:
Do mesmo modo, será impossível referir apenas um filme, pois a sétima arte sempre me fascinou e nela podemos recolher várias aprendizagens, já que ela funciona como espelho de eras históricas e problemas sociais, sempre numa perspectiva de intertextualidade exoliterária, em articulação (ou não…) com grandes livros ou como motivação para os mesmos…
Há filmes que podem mudar a nossa vida, ou que podem mudar os caminhos que escolhemos…
Assinalo, assim, como filmes marcantes para mim, Forrest Gump, O clube dos Poetas Mortos, A Lista de Schindler, A Vida é Bela, Cinema Paradiso, O Meu Pé Esquerdo, Braveheart, Cold Mountain, Antes do Amanhecer, Moulin Rouge, As Serviçais, Páginas de Liberdade, e tantos outros…
Canção preferida:
É muito difícil escolher uma música apenas, pois várias músicas e várias bandas me marcaram, sendo eu uma pessoa que viveu intensamente o auge musical dos anos ‘80 e ’90…
Aprecio desde o fado ao rock, da música clássica ao canto lírico, do pop ao jazz… A música deve tocar a alma, para ser arte.
Na verdade, Sempre vivi em diálogo com as letras das mesmas músicas, quer em Português quer noutras línguas... A música tem em mim desde sempre um papel fundamental, pois nela vivo, sinto, me motivo, me inspiro, me reflicto, me fundo, assumindo eu, inclusivamente, esse diálogo em grande parte dos meus poemas nos três livros poéticos editados. Há mesmo um poema com o título “Música, poder oculto”, no terceiro livro, Pó de Estrelas…
Ainda assim, se tivesse de escolher uma Banda de eleição e de culto escolheria The Cure, que nunca me canso de ver ao vivo, e se tivesse de escolher uma música escolheria “Trust” ou “Pictures of you” dos mesmos The Cure… Ou ainda “The River” de Bruce Springsteen ou “Come what may”, do musical Moulin Rouge, ou ainda “Lugar” de Pedro Khima, ou “Esperei” de Tiago Bettencourt.
Admiro letras poéticas, bem escritas, plenas de referências inteligentes e simbólicas à literatura, em geral, e francesa, em particular, (como no caso das letras de Robert Smith), combinadas com melodias verdadeiramente sublimes. Creio mesmo que a música e a poesia podem ser a Cura para todos os males.
Jantar perfeito:
O jantar perfeito seria sempre uma das seguintes hipóteses: ou numa esplanada à beira-mar, no Verão, com a pessoa que se ama e, neste momento, penso e visualizo precisamente um lugar numa praia do Algarve cuja esplanada se estende pela areia em poufs… Um sítio mágico, ao luar. Ou, então, nas Penhas da Saúde, na Serra da Estrela, que considero, efectivamente, a minha terra natal, num restaurante-bar específico, no Inverno ou melhor ainda, no Outono, com o crepitar da lareira e boa música jazz como som de fundo, uma boa conversa, sem pressas nem horários, e a companhia ideal…