Indiferença

Viraste a página que te cobria

Como se fosse um quente e escorregadio cobertor.

A descoberto saiste para o dia

Que te amanheceu,

Que te recolheu,

E te envelheceu

No iluminar do teu tempo.

O tempo não era teu

Mas levaste-o contigo na carteira

E fizeste dele uma brincadeira

Para que se passasse sem notar

Que também envelheceria.

O velho da esquina passou

Nem sequer te falou,

Com os olhos

Ou o coração.

Outros olhos viram-te e guardaram-te

E tu passaste,

Sem os teus olhos,

Sem coração.

Voas como condor

Enquanto o sol te escurece

Na sombra do entardecer,

E a lua te oferece

A saudade de poderes esquecer…

O quê?

Deitas-te e a folha volta a cobrir-te.

O dia ficou em branco

Amanhã poderá ser igual,

O velho da esquina

e os olhares do canto.

Esqueci-me do resto,

Amanhã logo me levanto.

Clara Godinho

 

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