Entrevista de Ana Ângelo à poetisa revelação Rogélia Maria Proença.
Poesia aqui nascida e criada
Um Amor que vence Chronos e Livro dos Silêncios
Rogélia Maria dos Santos Proença, natural da Covilhã, lançou, nos passados dias 30 /11 e 13/12/2013, respectivamente no Hotel Turismo e na Biblioteca Municipal da Covilhã, os seus dois livros de poesia, Um Amor que vence Chronos e Livro dos Silêncios, através da editora Poesia Fã Clube. O primeiro lançamento contou com a apresentação dos autores dos prefácios e prólogo dos livros, Ana Ângelo, Teresa Sampainho e Nuno Teixeira, que, tal como Rogélia, estudaram na Universidade de Letras da Universidade de Coimbra, partilhando, portanto, vivências e memórias com a poetisa. Ambos os lançamentos foram também abrilhantados com momentos musicais a cargo de Adriana Pais e Ruben de Matos e com récita por Maria Matilde e Inês Jorge (as filhas) e pelo Clube dos Leitores Vivos (CLV) da EB 2/3 do Tortosendo. Contou-se igualmente com a intervenção de Sílvia Melchior, no segundo lançamento, colega de escola e professora bibliotecária, que sublinhou a dedicação de Rogélia à promoção da leitura e da escrita, como é prova o facto de dinamizar o CLV desde 2005.
As duas obras poéticas são o prolongamento temático e cronológico uma da outra, espelhando o amadurecimento existencial da autora, sendo que Um Amor que vence Chronos possui, no entanto um carácter mais solar, refrescante e optimista, próprio da juventude dos vinte, altura em que a maioria dos poemas foi escrita, em relação ao Livro dos Silêncios, de pendor mais soturno, reflexivo e com um hiato temporal de escrita mais abrangente, desde o ano de 1989, passando pela década de noventa até ao ano de 2013. Os topos de inspiração poética estão associados a “lugares-chave” que de alguma maneira marcaram profundamente Rogélia, tais como Coimbra, o Peso, o Dominguiso, o vale do Zêzere, a Serra da Estrela e o mar.
De carácter confessional, intimista e amoroso, a sua poesia espelha influências várias e eminentes da poesia portuguesa, desde Camões, passando por Antero de Quental, Pessoa, Florbela Espanca, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner e António Ramos Rosa. Porém, este diálogo com os “grandes” da literatura reveste-se de uma feminilidade criativa e inovadora, que acaba por ser única e bastante sui generis. Deste modo, vida, sonho, esperança, plenitude, inconformismo, sede existencial, fome de transcendência, cisão interior, reflexão sobre o acto poético, saudade, demanda do eu e do outro e prazer de ser Mulher, nas suas diversas vertentes, são os leitmotiv da sua obra. Fomos ao encontro de Rogélia para tentar perceber como descobriu o prazer da escrita e que dimensão esta tem na sua vida.
1- Sei que o teu objectivo, ao enviares os poemas à Corpos Editora, Poesia Fã Clube, era inicialmente participar num concurso de poesia. Contudo, a editora gostou tanto da tua poesia que quis editá-la imediatamente, sem ser no âmbito desse concurso. O que significa para ti “escrever”?
Na verdade, para mim, Escrever, sempre foi sinónimo de Viver… E, mesmo como professora que sou, também sempre defendi o papel pertinente, sempre que possível, do professor co-actor e co-autor dos currícula, motivando, pelo exemplo, os meus alunos à criação, à busca da produção e valorização cultural, sem tréguas e sem comodismos.
Mas, a verdade ainda é que não podemos fugir, por muito tempo, da nossa essência… Jorge Sousa Braga diz que: «É muito difícil guardar um rio quando ele corre dentro de nós…» E é exactamente isso que sinto…
Num plano mais pessoal, há um momento certo para tudo e agora chegou a hora de lançar as palavras ao vento, que escrevo e sempre escrevi.
2- Que razões te levaram a editar a poesia que esteve tanto tempo na “sombra” dos silêncios?
Houve, neste Verão, três episódios que me fizeram decidir que chegara finalmente o momento da publicação: o primeiro de entre eles, os incêndios de Agosto, nestas paisagens que sempre venerei: no vale do Zêzere, devastando o Chão da infância, e, uma semana e meia depois, na encosta da Rosa Negra, Serra da Estrela, paisagem sempre recreio dos meus olhos…- ambos constituindo esse Paraíso Perdido de que se fala na minha Biografia e tão eternizados na minha poesia. Afinal, todo o Adão e Eva precisam de um Jardim do Éden…Espaços também eufóricos, associados à minha infância e adolescência, como uma Pátria (ou Mátria no dizer de Natália Correia), à qual se regressa sempre, numa espécie de ausência presente ou presença ausente.
O segundo, e sem grandes delongas, o confronto com a doença súbita de uma amiga… A relembrar-me esta caducidade da Vida e fugacidade do Tempo que também já beijara os meus calcanhares, e nos toca a todos… Topos que pela minha experiência de vida e investigação, fazem da necessidade de revalorização urgente da Vida em todas as suas formas, lema de vida, desde então. Experiências que mudam definitiva e irremediavelmente a nossa postura perante o mundo.
O terceiro dos quais, o facto de também a Palavra parecer assumir Vida…Sendo que, para além dos vários poemas que sempre compilei nos dois Livros em Branco, também agora outros poemas vieram parar às minhas mãos, inscritos nos cadernos de literatura de 12º ano que pedira à minha mãe para servirem de apoio à minha filha mais velha… Desenterrados das areias do Tempo e das poeiras do sótão e da memória, parecia que estes sinais traziam consigo a mensagem de que era chegada a Hora.
3- Pode-se então inferir que a poesia é, para ti, consequência directa do viver, do sentir e, portanto, do fluir do tempo?
Concordo com António Ramos Rosa, quando afirma, na sua obra Em Torno do Imponderável, que: «O Tempo excede-nos num movimento circular que vai além da vida que vai além da morte.» … E identifico-me perfeitamente com o sentir de Sophia de Mello Breyner Andresen ao declarar: «E no quadro sensível do poema, vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida.»
Costumo dizer que a poesia nasce da vida, como as folhas das árvores, naturalmente…Diz-se que a poesia (onde a palavra ganha sentido, em toda a sua polissemia, plurissignificativa e conotativa) é pintura que se move e melodia que se lê, ouve e sente, envolvendo todos os sentidos.
4- Tendo em conta o teu primeiro acervo poético, “Um Amor que vence Chronos”, é notória a importância atribuída ao Amor, visto que surge inclusivamente maiusculizado. Que sentidos lhe pretendeste atribuir?
Atribui-lhe o sentido de um Amor em sentido lato e transversal, que inclui três tipos de Amor: Amor Philia (amizade)/ Amor Agape (fazer o bem ao outro)/ Amor Eros (sensual). O Amor é a Mola da vida. Omnia Vincit Amor, Virgílio. O Amor vence todas as coisas. Eterniza e transporta-nos por cima de todas as realidades…
“Um Amor que vence Chronos” possui uma perspectiva diacrónica: um Amor que vence o tempo e é fiel à sua essência, ao deslumbre e magia iniciais. Um amor particular, mas também um Amor, maiúsculo, intemporal, sem Tempo, sem Espaço. Um Amor à essência do Ser-se Humano. Um Amor à Vida, à Terra-Mãe, ao Outro, companheiro de viagem, que jamais abandonaremos; possui ainda uma perspectiva sincrónica: um amor que vence o Espaço, que resiste às migrações, às divisões/cisões forçadas pela distância. Daí o topos da saudade ser nota dominante em ambos os livros. Sendo contudo o “reino” que se cria dentro do Ser, para se poder resistir ao “exílio” imposto pela realidade.
5- Nota-se na tua poesia, a influência marcante de vários poetas de renome, na literatura portuguesa, como Antero de Quental, Pessoa, Florbela Espanca, Sophia de Mello Breyner, António Ramos Rosa, Eugénio de Andrade e até Camões. Como explicas essa intertextualidade, isto é, como nasce esse diálogo?
«A leitura é um diálogo entre um livro que estamos a ler e todos os que lemos antes.»
Tendo em conta que texto, textu, significa “tecido”, as leituras que fazemos tecem-nos, entrecruzam-se naquilo que somos, erguem-nos e constroem-nos como pedras de muros dos castelos que somos. Educam-nos e moldam-nos e os autores que lemos, as personagens que admiramos convivem connosco e dialogam connosco como se fossem pessoas reais, de forma palimpséstica, sendo eles e nós em tudo o que somos ou pensamos, por analogia ou assimilação desses outros mundos e outros sentires. A leitura permite construir um castelo de saberes e sentires e passamos a habitar nele. Como diria Fernando Pessoa, «A novidade em si mesma, nada significa, se não houver nela uma relação com o que a precedeu. Nem, propriamente, há novidade sem que haja essa relação.»
6- Houve algum momento preponderante, no teu percurso académico, que acendesse ainda mais, em ti, essa ânsia e propensão para a escrita?
Recordo, por exemplo, uma aula prática de Literatura Portuguesa, na Faculdade de Letras de Coimbra, cadeira do mui douto Professor Doutor Carlos Reis, onde nos foi proposta a criação, ao jeito da Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa, ortónimo, de um poema onde esta intersecção de sentires, realidades, sensações e sentidos, traduzisse a complexidade da natureza humana e o recorte da impressão de um momento real em nós. Assim nasceram o meu requiem por Fernando Pessoa, o poema “Rosas húmidas por ruelas e calçadas”, um dos meus preferidos, a par com o poema “Cruzamentos”, por traduzir ainda hoje a complexidade do Ser.
7- O que sentes quando escreves?
Encaro a escrita como um espaço de partilha onde se encontra a Paz que se procura, num mundo pleno de solicitações, ruídos e pensamentos científicos que nos reduzem a existência. Escrevo catarticamente, para sublimar as dores, encontrar os caminhos, os reinos, regressar à essência, encontrar a matriz. O verdadeiro Eu.
Afinal, pela leitura e pela escrita, também somos, já dizia Vergílio Ferreira. Inscrevemo-nos num espaço de Partilha e de identificação com o Género Humano. Aí não há origem, sexo, religião, deficiência, cor, classe social. Esse é o Lugar por excelência da criação e do género humano.
8- Já explicaste os motivos que te levaram a editar a tua poesia. Sei que os poemas do primeiro livro foram escritos maioritariamente durante a tua juventude e só agora decidiste trazê-los a lume. O que significa esta decisão?
«Não sei ainda muito bem qual o desfecho desta aventura… Mas sei que se, de repente, tudo é nada, «que seja a minha noite uma alvorada», como diz Florbela Espanca, e que a minha vida sirva de algo ao mundo, já que vivi. Que dela fique ao menos um rasto, uma baba como a de um caracol, da nossa passagem, como o diz Miguel Torga. Que se saiba que sim, vivi, fui feliz, sofri, sorri, existi, como todos, aliás.
9- Em síntese, que mensagem pretendes deixar aos leitores de “Um Amor que vence Chronos” e “Livro dos Silêncios”?
Revalorize-se o Amor, as emoções, o vagar, o brilhar… contrarie-se a pressa, o vil metal, as prioridades invertidas e tudo o que tanto nos troca a humanidade. Fixemos o real, eternize-se o momento, esse que cai e não volta, esse que parte e resta em nós. Carpe diem. «Colhe o dia / Já que és ele», no dizer de Ricardo Reis.
Caminhe-se ao ar livre, sinta-se a calçada, a brisa, observe-se a flor, o insecto, as tonalidades de azul, o mudar das estações lá fora e em nós, filtre-se o luar, o amanhecer… Encontremos na escrita a construção e recriação do ser. Esse lugar invisível onde SOMOS, onde existimos, onde é possível ser livre (e talvez só aí…), ser mais, ser refúgio do TEMPO. Ser espaço e tempo indivisível e intemporal. Um lugar refúgio, um lugar-lar, onde é possível entrar e estar. Criar e amar. Ficar e renovar…
10- Como é que o público interessado poderá neste momento adquirir um dos teus livros?
Os livros podem ser encomendados junto da Autora, pessoalmente, por mail, mensagem ou por facebook ou, então, os meus livros poderão ser comprados, ambos, já durante o mês de Janeiro, na Bertrand, mediante encomenda, onde haverá também, aliás, uma sessão de autógrafos/ dedicatórias, ainda neste mês, que será divulgada brevemente. Estão também disponíveis on-line, na loja do site Poesia Fã Clube (Corpos Editora), basta pesquisar o meu nome no Google, ou o site referido, podendo ser comprados on line, quer em livro quer em e-book. Em e-book tem um custo de 5.99, mas a maior parte das pessoas, como eu, prefere o livro, cujo custo é de 15 euros, para oferecer ou para si próprias, pois este ainda é considerado um Bem. Ambos têm muita qualidade material e em termos de design também, pois os paratextos são bastante sugestivos, sendo em edição luxo, capa dura, cosidos e não colados. As pessoas apreciaram bastante os primeiros 150 livros já vendidos nos lançamentos que ocorreram nos meses anteriores, na Covilhã.
Dia 4 de Janeiro estarei também presente, a convite, no primeiro Encontro de Escritores Portugueses e Brasileiros, em Lisboa, onde ocorrerá a promoção, divulgação e venda de ambas estas obras poéticas, num evento de cariz internacional que pretende criar pontes entre ambos estes países da Lusofonia.
11- E porque “não há dois sem três”, há perspectivas de lançamento de um novo livro em breve? Se sim, queres “descortinar um pouco o véu”?
Sim, claro que poderei...Na verdade, o terceiro volume desta colectânea poética, culminando a Trilogia como previamente prometido, está já entregue à editora e deverá ser lançado até final de Fevereiro. O seu título é Pó de Estrelas, pois todos somos pó de estrelas... Astros, humanos, amores perfeitos... Todos estamos interligados. Ar, Fogo, Água e Terra, os quatro elementos essenciais da Natureza, assumem aí por excelência o lugar que nos ergue e constitui... Valerá a pena ler, espero despertar-vos a curiosidade, pois a leitura é sempre este diálogo assombroso em que o Autor fala e a Alma do Leitor responde...
Entrevista de Ana Ângelo à poetisa revelação Rogélia Maria Proença.