o secreto ofegar da esperança ultrapassa as fronteiras do medo para se introduzir nas minhas ambições; para empreender as façanhas benévolas que iluminam a minha vida acidentada; para coligir a minha inspiração no lugar sereno onde me estabeleço.

a consciência da morte faz-me entender os voos que se sobrepõem às nossas tormentas; ao mal-estar gerado pela intensa veneração dos bens terrenos; ao desgaste de quem sofre quando tem de participar nas contendas humanas.

há um denso resfolgar do fingimento nas nossas atividades diárias que provoca íntimos conflitos; que trai os valores da probidade e do afeto; que repuxa as nossas traumáticas memórias para o centro do mundo.

evito a imundície que se forma a partir do caos mundano: ela emerge das atitudes insensatas que contaminam a vida das pessoas; dos eventos dissolutos que preferem a noite para manifestarem o seu reinado; dos trilhos abomináveis onde circulam as mágoas e as deceções.

desbravo percursos quando reúno novas ideias que guardo no meu alforge poético: elas são inspiradas pelo secreto ofegar dos meus bailados criativos, pelo recheio da minha alma desoprimida e pela transparência dos meus atos.

na alma jaz o nosso retrato sensível camuflado pelos vendavais que suportamos; pelas posturas frívolas e inconsequentes dos nossos tempos malvados; pelos trâmites das rebeliões que empreendemos; pelos néscios costumes que nos rodeiam.

indaguei pelas oferendas generosas das pessoas para as recolher na minha alma desencantada; nos pretextos que descobri para aligeirar a minha solidão; nos cânticos odorados pela autêntica virtude; na existência mágica dos gentis trovadores.

os terrenos impróprios onde me movi estavam contaminados pelo desejo e pela urgência da afirmação pessoal; pelos transes que enfrentei nas minhas refregas constantes; nas profusas teias mentais agora eclipsadas pela força da minha razão.

valorizo aqueles que sobrevivem graças à sua persistência em recobrar a integridade e o respeito dos outros após se eximirem às humilhações sofridas; aos destemperos que cometeram; aos sintomas da agonia que caracterizou a sua dolorosa solidão.

Que mundo irreal e feio é esse
Onde sonhos e prazeres nascem no toque
Da pele e suscitam prazer austero?

Se a vida se tornar assim, não quero viver.
Não quero o fim dos meus dias num paraíso
Sem suor nem calos de firme rocha.

Quero construir, quero lutar e sentir dor,
Quero tudo o que me lembre do progresso
Adormecido para lá do por do sol.

O meu desejo é sobrevivência e fervor
Por um querer mais que tudo dos sonhos.
Pois a perfeição está no que podemos tocar.