recupero o sofrimento para vislumbrar o zénite da minha afirmação poética; para reviver os ultrajes que subsistiram nos lugares distantes que percorri; para transmitir aos leitores as minhas alvoroçadas rebeliões.
a velocidade com que os temas acontecem na minha poesia leva-me a pensar nos seus recados duradouros: nos ferimentos transpostos para uma redação que não descura os meus obstáculos; que expõe os meus fracassos e as minhas ambições.
as emoções do poeta arrastam consigo premissas duráveis que se subentendem da sua inspiração: elas ingressam num palácio deslumbrante onde fundam o sossego e a virtude; onde as suas metáforas rebentam as grades do preconceito.
oiço a turba suplicar pelo aconchego dum líder despótico que lhe transmita palestras risonhas; que penetrem na sua índole ultrajada por tantas mentiras chocantes; pelos malefícios dos homens que não têm pudor.
Acontece na França
Franco miado a passear pelo telhado
Sob a sinfonia de monsieur chat
miados e chamados
boêmia histérica
em plena noite de natal
enquanto rolava a ceia em casa
e a plateia de cachorros ficavam
pasmados na reserva polposa de sobra alimentar
olha o desperdício que os humanos proporcionam!
E o olhar aflito dos cachorros
esperando pelo momento desta boa vida:
ossitos e com sorte, alguma carne para mangeous
toda criança adora Petit Gâteau
a França me encanta, sem ter ido lá.
esmiúço a saudade dos tempos de infância e do magnífico jardim onde reinei; dos fundamentos duma liberdade que finalmente adquiri; dos desvelos dos meus avoengos; das minhas andanças por lugares hospitaleiros.
repouso longe desta vida dissonante... do lugar cativo donde avisto as misérias humanas e as suas notórias derrocadas... das suas tragédias absorvidas por fúteis litígios... das historietas que nos contam e que provocam a nossa alienação...
as minhas utopias buscam uma ordenação que ative as salubres emoções dos homens; que estanque os seus pavorosos delitos; que institua um recreio artístico que possa fazer esquecer os seus desconsolos.
a poesia que se projeta da nossa alma silencia os ganidos das multidões; os sintomas decadentes que se aprestam para nos extenuar; as palavras corrosivas que deslustram a nossa liberdade.