Genuinidade Fingida
A sensibilidade da vida tenho-a no coração,
Não a tenho na língua, não a tenho na mão.
Tenho-a no lugar onde minhas emoções estão.
Estão no meu coração, que é como quem diz!
São intelecto, do qual sou ainda aprendiz...
Ainda me permito demasiado a censura do giz.
Seus traços brancos me tornam fingida a essência
Duma artificial poesia que sempre raza a vivência
Sem penetrar nunca o âmago da genuína dolência,
Dessa dor que me consome viva a alma atormentada
Que não consigo expressar co'a franqueza desejada
E com a naturalidade da vera emoção não pensada.
O mais inato sentir não consegue nunca ser comunicado
Com palavras, artifícios mentirosos do meu eu danado.
É que o materializar dos sentimentos é sempre pecado,
É anular o arrepio original que a sensação prima provoca,
Desmentir o inconsciente com que essa verdade nos toca,
Fazer sentir o desprazer de fingir uma emoção que é oca,
Mera estética lírica que se encontra vazia no interior
E nunca consegue genuinamente mostrar ao outro a real dor
Que é a por mim sentida, por mim vivida com franco ardor
Mas é o que se tem, aquilo que me é humanamente possível
Descrever a emoção com a beleza e detalhe de maior nível
E esperar que quem lê a imagine a uma precisão incrível
Capaz de a fazer ter um vislumbre do que o meu eu sente
Proporcionando aos outros a sensibilidade mais rente
Mais próxima da sensação tida pelo meu ser doente.