HEDONISMO

HEDONISMO

 

Só por maldade

Se pode negar o vermelho à maça

Qual voz rouca suavemente arrastada

Que pede à mão cuidado na colheita.

 

Assim fez Eva,

O seu corpo entornou-se em luz

Que delicadamente beijou os olhos de Adão

Que sem saberem já suplicavam beleza.

 

Deus, já velho, virou a cara

Procurou reminiscências do arrepio

Provocado pelo frenesim das células

Mas só encontrou despojos

De guerras, pragas e castigos.

 

Olhos de vidro não choram

Mãos de pedra não sentem a intensidade do desejo

Com que o corpo perfuma o feitiço do convite.

 

Deus quis adormecer

Mas o coro das folhas das árvores do paraíso

Entoava cânticos ao festival dos convidados da vida

E não o deixou.

Sem saber o que é estar triste

Retirou-se

 

A terra pediu à erva que se deitasse

Às flores, o sacrifício das pétalas

E aconchegou-se em alcova

Húmida, quente, colorida.

 

A maça aceitou o sofrimento do rasgar da carne

Embebedou Adão

E na boca de Eva foi cascata de filamentos de sonho.

 

Reuniram-se em conferência

Os anciãos do paraíso

Estava na hora de revelar

O segredo da imaculada inocência

À revelia da vontade de Deus

 

Afinal a árvore não era mãe da razão

Nem fiel depositária do conhecimento

Era filha da fusão amaldiçoada

Entre o diabo e a natureza

E o que guardava em comovente delicadeza

Era a essência do prazer

 

De ramos estendidos

Acolheu carinhosamente Adão e Eva

Disse-lhes baixinho o seu segredo

Rendida à emoção

Chorou a seiva doce

Que lhes impregnou os corpos

 

A mão de Eva procurou a de Adão

E quando os dedos se entrelaçaram

Perceberam ambos

Que o outro era uma extensão de si

Que poderiam descobrir

Porque geme em verde a natureza

E que a palete de cores existe

Para que a fúria do mar se ornamente em azul

Para que as entranhas da terra possam rugir em vermelho

Para que o fogo se liberte em laranja

Para que o amor se possa colorir em prazer

Para que a nossa verdade

Supere toda a negação

E nos possa envolver em plenitude

 

Eva disse a Adão:

— Sacia-te em mim

Devolve-me em dobro tudo o que receberes.

A boca de Adão

Dispensou as palavras

Entretida que estava

A aprender a despertar espasmos

E o que um corpo pedia

O outro adivinhava

 

Adão soube por fim porque era homem

Eva amanheceu

Sentiu-se mulher de todos os amantes

E agradeceu em sorriso

A voz que a árvore lhe deu

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