Moldagem

Tanto medo a gente tem
de se expor tal como é...
Escondemos da nossa mãe
aquele "eu" de cabaré
que não se mostra a ninguém.

Ocultamos dos amigos
nossos desejos mais sórdidos.
Conservamos em jazigos
quaisquer devaneios mórbidos
que os outros achem perigos.

E reprimem-se as ideias
como quem encolhe um peido
co'a força de panaceias.
É melhor ficar retido
com receio às diarreias.

Não podemos destoar,
há que seguir no carreiro.
Ninguém p'ra desafiar
nem que queira ser inteiro,
nem erguer ondas no mar.

Neste mar de ovelhas mansas
que é o mundo actual.
Não se ousa bailar danças
que provoquem a moral
ou possam chocar crianças.

Nascemos de um só molde
que tem um formato ímpar.
Mas vem logo quem nos tolde
de plástico d'embalar
e nos force a contra-molde.

E se ousas provocar
os dogmas instituídos,
ou se tentas afrontar,
berrar, ou fazer ruídos,
vêm mandar-te calar.

E tu calas e consentes,
ficas quieto lá na toca;
Partem quantos são os dentes
que tens em tua boca
se te armas aos valentes.

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Comentários

e assim vai o nosso mundo repleto de rebanhos

de ovelhas mansas, a caminho do matadouro.

 

Belo poema! Boa qualidade de rimas!

Bom esforço para construir em redondilha maior!

Saudações!

_Abílio

Muito obrigado, Abílio!

Fico contente que tenha apreciado... Eu gosto de usar a rima, e raramente descuido a métrica, porque gosto demasiado que este tipo de poemas mais "formais" soem musicais. Por acaso neste em específico aventurei-me a não usar a quadra (como é típico), e optei pela quintilha. Confesso que não soa tão musical como a quadra. Talvez soe até mais "martelado", mas acabei por gostar, fica diferente!

Mais uma vez obrigado e abraço ;)