a penumbra ascética
Autor: António Tê Santos on Sunday, 21 January 2024observo os eventos mundanos e as suas periódicas crises; observo a revolta dos homens em torno das suas privações; observo tudo aquilo que ornamenta a nossa existência banal.
observo os eventos mundanos e as suas periódicas crises; observo a revolta dos homens em torno das suas privações; observo tudo aquilo que ornamenta a nossa existência banal.
investigo a existência quotidiana e a sua expansão desde o núcleo da nossa frágil liberdade para suprimir o seu rasto baseado em antiquadas disputas; para as converter em meras peripécias sem importância.
os versos que redijo abrangem a malignidade inscrita no convívio das pessoas; os destemperados horizontes que entrevejo desde a penumbra ascética onde me movo; a viagem íntima que realizo para desvanecer a tristeza.
haja uma força constante que peleje contra os exageros humanos; que pacifique as demonstrações virulentas que abundam nos escaparates mundanos; que progrida no tempo até ao início duma era benigna.
a minha sensibilidade cresceu entre cardos onde a harmonia era impossível; onde o quotidiano era prejudicado pela náusea de viver; onde as palavras imperfeitas geravam angústia e depressão; onde um pai subalterno exercia a violência.
os poemas auxiliam-nos quando os ordenamos no nosso intelecto; quando os aspergimos com o sal das nossas emoções; quando os encaixamos nas contendas globais para que nutrifiquem os nossos pensamentos.
invento uma jubilosa paisagem para evitar os sobressaltos; para que os desregramentos falidos não reentrem no meu mundo; para que as pérfidas atuações dos homens não me façam reagir.
a morte estende os seus ramos àqueles que a procuram: transpõe o campo minado das angústias para se deter no núcleo das existências desprovidas; fascina aqueles que a nomeiam como baluarte das suas consciências.
enxergo um deserto lunar que desfigura aqueles que buscam sarar as suas feridas; que desejam satisfazer as suas legítimas aspirações; que suportam a propagação dos seus momentos crispados.
destapo a inconsciência para expor as minhas torpes atitudes; para suprir as brechas da memória e expressar as minhas frustrações; para inscrever nos meus versos os desafetos profundos.