a poesia há de transformar o mundo outorgando-lhe vocábulos que sustentem a sua determinação em batalhar contra o que é feio ou cruel: porque o que transborda desses vocábulos é uma agudeza que se prolonga para além da literatura: porque essa agudeza redunda num tropel de veracidades que se engasta na mente humana.
desponta o regozijo naqueles que exploram as suas almas através duma solidão que os horroriza mas que lhes pode trazer a mudança; que os pode levar a descobrir a raça de que são feitos e a maneira de se libertarem dos obstáculos gerais; e das suas clausuras íntimas.
a minha juventude submergiu empurrada pelos vícios e pelas leviandades; a minha vontade desfaleceu com a progressão tétrica da minha existência; o meu juízo deteriorou-se nos lugares conspurcados onde persisti.
transpus os meus erros para os lugares onde pude desdobrar a minha juventude com os balanços da vida que consumi; que gravei na minha poesia onde ecoou a maturidade com os seus impactos benignos; com as balizas da minha temperança vigente.
os meus ideais foram corroídos pelos testemunhos de perversidade que há entre os homens, pelas clamorosas imposturas que eles engendram para obterem o seu sustento, pelas brigas que eles promovem para firmarem as suas ambições.
circulo na rota da virtude para abafar os meus funestos descaminhos; os extravagantes comportamentos que transbordaram dos meus sonhos reprimidos; os meus intentos malogrados no comércio arrepiante dos sentimentos.
a execrável estrutura que nos cinge tem a habilidade de nos remeter para o fosso das deceções e investir na nossa morte: para nos obrigar a preencher as brechas do nosso desespero com os versos que criamos; para coagir a nossa relevante missão.
discorro sobre a astúcia porque ela ultrapassa o suportável para vampirizar a inocência das pessoas; porque ela alardeia uma grande verbosidade para operar malévolas empreitadas; porque ela expõe intentos descabidos para conseguir fraudulentos objetivos.
o sonho de plantar a esperança no meu reduto para depois derramá-la sobre as vísceras do universo; de expandir os tentáculos dos meus versos até ao âmago das inflamadas controvérsias; de beber o suco da reconciliação nos prados oníricos onde habitaria a humanidade.
dantes era o afogo e a contrição derivados das façanhas juvenis que me tragavam o futuro e promoviam a minha decadência; agora é a solidão que me consente viver na temperança através dos rituais duma liberdade que transporta consigo a harmonia.