Soneto

Amnésia

AMNÉSIA

Tu sabes e não falas, não dizes quem eu sou
Vagueio como um cão que não tem dono
Percorro o meu destino, sem saber para onde vou
Como uma folha que erra, no vento do Outono.

Sou um ente esquecido, uma amnésia da vida
Nesta alma errante, para quem nada importa
Apenas tenho silêncio, na memória esquecida
E a rua como morada. Uma parede nua, sem porta.

Espaçadamente, baila na mente uma imagem nublada
De vertigens de beijos sôfregos, de quem foi amado
E uns olhos iluminados, na palidez de uma cara extasiada.

Lágrimas

LÁGRIMAS

No céu azul dos teus olhos, correm nuvens de tempestade
Nascidas no coração em dor, sopradas pelo vento do momento
Lágrimas, solidamente agrilhoadas aos ferros corroídos da saudade
Tardam a apagar o fogo, que ateia a desilusão e incendeia o sentimento.

Lágrimas que correm sem cadência, no leito do rio da demência
Num percurso de escolhos, para além do nada, onde mora a eternidade
Desaguam intempestivamente, no oceano insondável da existência
Onde a vida tem danos, entre tantos enganos, na procura da felicidade.

RECORDAÇÃO

RECORDAÇÃO

Nesta água da verdade, tão distantes estão os anos
Que me salvaste do abismo e de emoções tenebrosas
Recolhendo no teu regaço as lágrimas de muitos danos
Brotadas por tantos enganos e suavizados por rosas.

Refletido nesta água vê o teu rosto ardente
Vejo o teu olhar sereno, no pedido que me fizeste
Comissura nos teus lábios, que sorriam docemente
No adeus permanente, do ultimo beijo que me deste.

Amores Perfeitos...

Amores Perfeitos...

Sarámos num mundo tão despido,
onde em tempos demos mãos comprometidas,
construímos o nosso túmulo às escondidas,
em festim de metáforas sem sentido.

Das sombras ecoavam palavras perdidas,
eufemismos de enfermo, não de amigo,
há espinhos onde outrora foi postigo,
e há cadáveres, chagas... despedidas.

Nesse mundo há alicerces de vime,
presos por uma corda sublime
feita dos teus cabelos e jeitos!

À VOLTA DA FOGUEIRA

Os pés molhados pedem lume forte.
Na fogueira nostálgica, memórias
Despertam para a vida, com vitórias,
Com derrotas e sempre alguma sorte.

Quando inverna e aperta o vento norte,
A chuva e o frio, abrem as oratórias...
À volta do "borralho", ouvem-se histórias
Que a palavra é feliz como consorte.

O lume é tantas vezes ternurento...
Dócil como mulher apaixonada,
Que não deixa que o seu fogo arrefeça.

À fogueira ninguém solta um lamento,
Mesmo quando vem “velha” desvairada
Pousando docemente na cabeça.

SHABA

SHABA

Recordo, quando te encontrei, abandonado, sujo, doente
Perdido no gesto de ser amado, mas de quem quer amar
Teus olhos eram uma súplica num pedido permanente
Quer ser teu amigo, leva-me contigo, não me deixes ficar.

Não sei se foi magia, se pura empatia ou a beleza do teu olhar
Chamei-te e tu cão inteligente, vieste num gesto de medo e desejo
Humilde, de cauda baixa, num movimento confuso de rastejar
Deixaste-me afagar a cabeça, devolvendo-me a carícia de um beijo.

ALUCINAÇÃO

ALUCINAÇÃO

Estou só, inconsolável, neste desejo ardente de devoção
Fechado, silenciado num tempo que passa sem ter hora
Numa transe de conflito, entre a verdade e a alucinação
Sinto no peito o ardor que ateia um fogo que me devora.

Lentamente vai ardendo, num desejo louco de me consumir
Minhas mãos são chaga viva que se esforçam por se mover
Afugentando esta alucinação, onde o presente não consegue fugir
De um passado enlouquecido, que a memória teima em trazer.

AGUARELA DA ALMA

AGUARELA DA ALMA

Nesse quadro em que o verde da tinta tem menos cor
E o tempo se entrelaça no misticismo do anoitecer
Colocaste um rio de águas proféticas onde se afoga a dor
E as mágoas se espraiam nas cores rugosas do envelhecer.

Nesse quadro em que as margens do rio estão cobertas por açucenas
E o sol do entardecer vai morrendo em clarões de aurora
Colocastes auréolas e asas prematuras nos meus poemas
De tinta húmida e incolor colhida na face de alguém que chora.

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