Soneto

Voando nas palavras

Minhas trevas afogam-se na língua,
Angústia da sede que se confisca,
- Sendo lânguido na taça da míngua,
Tomo tormento pelo qual à risca.

Obstetra: sempre opero na má-língua,
Palavreado da noite se pisca,
Na lua brilha a doce pasilíngua,
Assim trovo a sede que se petisca.

Morcegos sobrevoam boa sorte,
Nas asas da escuridão bastam-se,
E a mim, rastejo nas lamas da morte.

Futuridade

"uma certa afecção particular, por meio dos discursos, a alma experimenta."
GÓRGIAS, "Elogio de Helena", 414 a. C.

Caligante ou em lai, o númeno ora a Luna (1),
Insciente se ao delubro se ao alcantil (2).
Fenestrando a sofrósina que, exil
De obsoletismo e de húbris, desaduna

A tenebrosidade. Asserida e una,
Qual fora uma hamadríade, que burile,
Paragone, em dianoia e em contracarril.
"Alea iacta est", desde a asir (3) ao que premuna

Imanente

"A morte é tão-somente uma mudança de forma da matéria viva."
Paolo Mantegazza

 

Por Thánatos, luctífero (1) e sobgrave,
Geento o imo, litifica-se o convale,
Que aluta e em d'Aubigné (2) se contravale,
Só a ablepsia do melisma renui a clave.

Desentenebrecendo o que retrave,
E a desasir-se em flúmen numa cale,
Congruo tempore et congruo loco, que ale
Resplandecentemente a uma arquitrave (3):

Medo de tentar

Medo incandescente de fracassar
Eu jogo pesado comigo mesmo,
Fastígio minha esperança vulgar,
Tateio minha junta óssea a esmo.

Da catacumba deixo a soterrar
O crânio no gradual alesmo.
Deixo idem o músculo gangrenar,
Serei enterrado n’algum sesmo.

Um dia o receio ressecará a pele
E a vontade de vencer, amputada
Lute contra seu físico que repele

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