A CANÇÃO DAS PERDIDAS

_A Vianna da Motta_

I

Quem por amôr se perdeu
Não chore, não tenha pena.
Uma das santas do céu
--É Maria Magdalena...

II

Minha mãe foi o que eu sou.
Eu sou o que tantas são.
Que triste herança te dou,
Filha do meu coração!

III

Meu pae foi para o degredo
Era eu inda pequena.
Se não morresse tão cedo,
Morria agora--de pena...

IV

E ha no mundo quem afronte
Uma mulher quando cae!
Nasce agua limpa na fonte,
Quem a suja é quem lá vae...

V

Aquelle que me roubou
A virtude de donzella
Se outra honra lhe não dou,
--É porque só tive aquella!...

VI

Nós temos o mesmo fado,
Oh fonte d'agua cantante,
Quem te quer, pára um boccado.
Quem não quer, pássa adeante...

VII

O meu amôr, por amal-o,
Poz-me o peito numa chaga:
Deu-me facadas. Deixal-o.
Mas ao menos não me paga!

VIII

Nem toda a agua do mar
Por estes olhos chorada
Daria bem a mostrar
O que eu sou de desgraçada!

IX

Como querem vêr contente
Este paiz desgraçado,
Se dão só livros á gente
Nas escolas do peccado...

X

Dormia o meu coração
Cançado de fingimento.
Bateste-me, e vae então
Acordou nesse momento.

XI

Se aquillo que a gente sente,
Cá dentro, tivesse vóz,
Muita gente... toda a gente
Teria pena de nós!

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