LYRA XV.

A minha bella Marilia
Tem de seu hum bom thesouro,
Não he, doce Alceo, formado
    Do buscado
    Metal louro.
He feito de huns alvos dentes,
He feito de huns olhos bellos,
De humas faces graciosas,
De crespos, finos cabellos;
E de outras graças maiores,
Que a natureza lhe dêo:
Bens, que valem sobre a terra,
E que tem valor no Ceo.

  Eu posso romper os montes,
Dar ás correntes desvios,
Pôr cercados espaçosos
    Nos caudosos
    Turvos rios.
Posso emendar a ventura
Ganhando astuto a riqueza;
Mas, ah! charo Alceo, quem póde
Ganhar huma só belleza
Das bellezas, que Marilia
No seu thesouro metêo?
Bens, que valem sobre a terra,
E que tem valor no Ceo.

  Da sorte, que vive o rico
Entre o fausto alegremente,
Vive o guardador de gado
    Apoucado,
    Mas contente.
Beije pois torpe avarento
As arcas de barras chêas:
Eu não beijo os vís thesouros;
Beijo as douradas cadêas,
Beijo as settas, beijo as armas
Com que o cego Amor vencêo:
Bens, que valem sobre a terra,
E que tem valor no Ceo.

  Ama Apollo o fero Marte,
Ama, Alceo, o mesmo Jove:
Não he, não, a vã riqueza,
    Sim belleza,
    Quem os move.
Posto ao lado de Marilia
Mais que mortal me contemplo:
Deixo os bens, que aos homens cegão,
Sigo dos Deoses o exemplo:
Amo virtudes, e dotes;
Amo em fim, prezado Alceo,
Bens, que valem sobre a terra,
E que tem valor no Ceo.

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