LYRA XXII.
Muito embora, Marilia, muito embora
Outra belleza, que não seja a tua,
Com a vermelha roda, a seis puxada,
Faça tremer a rua.
As paredes da salla aonde habita
Adorne a seda, e o tremó dourado;
Pendão largas cortinas, penda o lustre
Do této apainelado.
Tu não habitarás Palacios grandes,
Nem andarás nos coches voadores;
Porém terás hum Vate, que te preze,
Que cance os teus louvores.
O tempo não respeita a formosura;
E da palida morte a mão tyranna
Arraza os edificios dos Augustos,
E arraza a vil choupana.
Que bellezas, Marilia, florecerão
De quem nem se quer temos a memoria?
Só podem conservar hum nome eterno
Os versos, ou a historia.
Se não houvesse Tasso, nem Petrarcha,
Por mais que qualquer dellas fosse linda,
Já não sabia o mundo, se existirão
Nem Laura, nem Clorinda.
He melhor, minha bella, ser lembrada
Por quantos hão de vir sabios humanos,
Que ter urcos, ter coches, e thesouros,
Que morrem com os annos.