A FELICIDADE.
Era bello esse tempo da vida,
Em que esta harpa falava de amores:
Era bello quando o estro accendiam
Em minha alma da guerra os terrores.
Nesse tempo o balouço das vagas
Me era grato, qual berço da infancia;
E o sibillo da bala harmonia
Semelhante á de flauta em distancia.
Eu corri pelos campos da gloria,
D'entre o sangue colhendo uma palma,
Para um dia a depor aos pés dessa
Que reinou largo tempo nesta alma.
Mas qual ha coração de donzella,
Que responda a um suspiro de amor,
Quando vibra nas cordas sonoras
Do alaúde de pobre cantor?
Triste o dom do poeta!--No seio
Tem volcão que as entranhas lhe accende;
E a mulher que vestiu de seus sonhos
Nem sequer um olhar lhe compr'hende!
E trahido, e passado de angustias,
Ao amor este peito cerrara,
E, quebrada, no tronco do cedro
A minha harpa infeliz pendurara.
Um véu negro cubriu-me a existencia,
Que gelada, que inutil corria;
Meu engenho tornou-se um mysterio
Que ninguem neste mundo entendia.
E embrenhei-me por entre os deleites;
Mas tocando-o, fugia-me o goso;
Se o colhia, durava um momento;
Após vinha o remorso amargoso.
Esqueci-me do Deus que adorara;
O prestigio da gloria passou;
E a minha alma, vazia de affectos,
No limiar do porvir se assentou:
Meus pulmões arquejaram com ancia,
Buscando ar na amplidão do futuro,
E sómente encontraram, por trévas,
De sepulchros um halito impuro.
Mas, emfim, eu te achei, meu consolo;
Eu te achei, oh milagre de amor!
Outra vez vibrará um suspiro
No alaúde do pobre cantor.
Eras tu, eras tu que eu sonhava;
Eras tu quem eu já adorei,
Quando aos pés de mulher enganosa
Meu alento em canções derramei.
Se na terra este amor de poeta
Coração ha que o possa pagar,
Serás tu, virgem pura dos campos,
Quem virá a minha harpa acordar
Como a luz duvidosa da tarde,
Quando o sol leva ao mar mais um dia,
Reverbera poesia e saudade
Na alma immensa de um rei da harmonia;
Tal poesia e saudade em torrentes
No teu meigo sorrir eu aspiro,
E no olhar que me lanças a furto,
E no encanto de um mudo suspiro,
Para mim és tu hoje o universo:
Soa em vão o bulicio do mundo;
Que este existe sómente onde existes:
Tudo o mais é um ermo profundo.
No silencio do amor, da ventura,
Adorando-te, oh filha dos céus,
Eu direi ao Senhor:--tu m'a déste:
Em ti creio por ella, oh meu Deus!»