A CAMÕES
Autor: Soares de Passos on Friday, 9 November 2012
Ai do que a sorte assignalou no berço Inspirado cantor, rei da harmonia! Ai do que Deus ás gerações envia Dizendo: vae, padece, é teu fadario, Como um astro brilhante o mundo o admira, Mas não vê que essa chamma abrazadora Que o cerca d'esplendor, tambem devora Seu peito solitario. Pairar nos céos em alteroso adejo, Buscando amor, e vida, e luz, e glorias, E vêr passar quaes sombras illusorias Essas imagens de fulgor divino: Taes são vossos destinos, ó poetas, Almas de fogo que um vil mundo encerra; Tal foi, grande Camões, tal foi na terra Teu misero destino. A cruz levaste desde o berço á campa: Esgotaste a amargura até ás fezes: Parece que a fortuna em seus revezes Te mediu pelo genio a desventura. Combateste com ella como o cedro Que provoca o rancor da tempestade, Mas cuja inabalavel magestade Lhe resiste segura. Foste grande na dôr como na lyra! Quem soube mais soffrer, quem soffreu tanto? Um anjo viste de celeste encanto, E aos pés cahiste da visão querida... Engano! foi um astro passageiro, Foi uma flôr de perfumado alento Que ao longe te sorriu, mas que sedento Jámais colheste em vida. Sob a couraça que cingiste ao peito Do peito ancioso suffocaste a chamma, E foste ao longe procurar a fama, Talvez, quem sabe? procurar a morte. Mas, qual onda que o naufrago arremessa Sobre inhospita praia sem guarida, A morte crua te arrojou á vida, E ás injurias da sorte. De praia em praia divagando incerto Tuas desditas ensinaste ao mundo: A terra, os homens, té o mar profundo Conspirados achavas em teu damno. Ave canora em solidão gemendo, Tiveste o genio por algoz ferino: Teu alento immortal era divino, Perdeste em ser humano: Indicos valles, solidões do Ganges, E tu, ó gruta de Macau, sombria, Vós lhe ouvistes as queixas, e a harmonia D'esses hymnos que o tempo não consome. Foi lá, n'essa rocha solitaria, Que o vate desterrado e perseguido, Á patria ingrata, que lhe dera o olvido, Deu eterno renome. «Cantemos!» disse, e triumphou da sorte. «Cantemos!» disse, e recordando glorias, Sobre o mesmo theatro das victorias, Bardo guerreiro, levantou seus hymnos. Os desastres da patria, a sua quéda Temendo já no meditar profundo, Quiz dar-lhe a voz do cysne moribundo Em seus cantos divinos. E que sentidos cantos! d'Ignez triste Se ouve mais triste o derradeiro alento, Ensinando o que póde o sentimento Quando um seio que amou d'amores canta; No brado heroico da guerreira tuba O valor portuguez sôa tremendo, E o fero Adamastor com gesto horrendo Inda hoje o mundo espanta! Mas ai! a patria não lhe ouvia o canto! Da patria e do cantor findava a sorte: Aos dous juraram perdição e morte, E os dous juntaram na mansão funerea... Ingratos! ao que alçando a voz do genio Além dos astros nos erguera um solio, Decretaram por louro e capitolio O leito da miseria! Ninguem o pranto lhe enxugou piedoso... Valeu-lhe o seu escravo, o seu amigo: «Dae esmola a Camões, dae-lhe um abrigo!» Dizia o triste a mendigar confuso! Homero, Ovidio, Tasso, estranhos cysnes, Vós que sorvestes do infortunio a taça, Vinde depôr as c'rôas da desgraça Aos pés do cysne luso! Mas não tardava o derradeiro instante... O raio ardente que fulmina a rocha, Tambem a flôr que n'ella desabrocha, Cresta, passando, co'as ethereas lavas: Que scena! em quanto ao longe a patria exangue Aos alfanges mouriscos dava o peito, De misero hospital n'um pobre leito, Camões, tu expiravas! Oh! quem me dera d'esse leito á beira Sondar teu grande espirito n'essa hora, Por saber, quando a mágoa nos devora, Que dôr póde conter um peito humano; Palpar teu seio, e n'esse estreito espaço Sentir a immensidade do tormento, Combatendo-te n'alma, como o vento Nas ondas do oceano! O amor da patria, a ingratidão dos homens, Natercia, a gloria, as illusões passadas, Entre as sombras da morte debuxadas, Em teu pallido rosto já pendido; E a patria, oh! e a patria que exaltáras N'essas canções d'inspiração profunda, Exhalando comtigo moribunda Seu ultimo gemido! Expirou! como o nauta destemido, Vendo a procella que o navio alaga, E ouvindo em roda no bramir da vaga D'horrenda morte o funeral presagio, Aos entes corre que adorou na vida, Em seguro baixel os põe a nado, E esquecido de si morre abraçado Aos restos do naufragio: Assim, da patria que baixava á tumba, Em cantos immortaes salvando a gloria, E entregando-a dos tempos á memoria, Como em gigante pedestal segura: «Patria querida, morreremos juntos!» Murmurou em accento funerario, E envolvido da patria no sudario Baixou á sepultura. Quebrando a louza do feral jazigo, Portugal resurgiu, vingando a affronta, E inda hoje ao mundo sua gloria aponta Dos cantos de Camões no eterno brado; Mas do vate immortal as frias cinzas Esquecidas deixou na sepultura, E o estrangeiro que passa em vão procura Seu tumulo ignorado. Nenhuma pedra ou inscripção ligeira Recorda o gran cantor... porém calemos! Silencio! do immortal não profanemos Com tributos mortaes a alta memoria. Camões, grande Camões, foste poeta! Eu sei que tua sombra nos perdôa: Que valem mausoléus ante a corôa De tua eterna gloria?
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