INFANCIA E MORTE
Autor: Soares de Passos on Wednesday, 21 November 2012
«Ó mãe, o que fazes? em cama tão fria «Não durmas a noite... saiamos d'aqui... «Acorda! não ouves a pobre Maria, «Pequena, sósinha, chorando por ti? «Porque é que fugiste da nossa morada, «Que alveja saudosa no monte d'além? «Depois que tu dormes na terra gelada, «Quão só ficou tudo mal sabes, ó mãe. «A nossa janella não mais foi aberta, «O fogo apagou-se na cinza do lar, «As pombas são tristes, a casa deserta, «E as flores da Virgem se vão a murchar. «Oh! vamos, não tardes... mas tu não respondes... «Em vão todo o dia meu pranto correu; «No fundo da cova teu rosto me escondes, «Não ouves, não fallas... que mal te fiz eu? «Escuta! na torre de frestas sombrias «O sino da ermida começa a tocar... «Acorda! que o toque das Ave-Marias «Á imagem da Virgem nos manda rezar. «A lampada exhausta de Nossa Senhora «Ficou apagada, precisa de luz: «Oh! vem accendêl-a, e á Mãe que se adora «Alli rezaremos, e ao Filho na cruz. «Depois á costura, sentada a meu lado, «Tu has de contar-me, bem junto de mim, «Aquellas historias d'um rei encantado, «De fadas e moiras, d'algum cherubim. «A d'hontem foi triste, pois triste fallavas «De vida e de morte, d'um mundo melhor; «E o rosto cobrias, e muda choravas, «Lançando teus braços de mim ao redor. «Depois em silencio teus olhos fechaste, «Tão pallida e fria qual nunca te vi; «Chamei-te era dia, mas não acordaste, «E em quanto dormias trouxeram-te aqui. «Oh! vamos, não tardes, que as noites sombrias, «Sem ti a meu lado, me causam pavor; «Acorda! que o toque das Ave-Marias «Nos diz que rezemos á Mãe do Senhor.» Taes eram as queixas da pobre Maria... O sino da ermida cessou de tocar... E a mãe entretanto dormia, dormia; Do somno da morte não pôde acordar. Tres dias, tres noites a filha sósinha No adro da egreja por ella chamou... Ao fim do terceiro já força não tinha; Da mãe sobre a campa, gemendo, expirou.
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