CATÃO
Autor: Soares de Passos on Sunday, 2 December 2012
Como em tarde anuviada, Em tarde de negros véos, Para a terra contristada Sorri o iris nos céos; Mas quando o sol esmorece, O iris desapparece, Tudo é negra escuridão; O mar ruge e se encapella, E nas azas da procella Corre bramindo o trovão: Tal ao sol da liberdade Que sobre Roma luziu, Qual iris em tempestade, Catão á patria sorriu. Mas esse astro que fulgente Das aguias brilhára á frente, Do Capitolio baixou; E elle, o iris de bonança, Elle, de Roma a esperança, Com seu fulgor expirou. Contra as iras da tormenta, Ó forte, luctaste em vão: Que póde a virtude isenta Contra a geral corrupção? Já não luziam virtudes Como nos seculos rudes D'essa Roma consular; O templo da tyrannia A seus ministros abria As portas de par em par. Inda infante, viste Mario De Roma o sangue beber; E envolvida n'um sudario A pobre Italia gemer. Viste Sylla, o monstro infando, Entre as cabeças folgando, Qual tigre no seu festim; E, infante, bradaste ufano: --Dae-me um ferro, e do tyranno Livremos a patria emfim!-- Não t'o deram: que lucrava O teu valor juvenil? D'um tyranno outro brotava, Nascia a guerra civil. Enxuto de Roma o pranto, Eis que envolto em negro manto Lá surge um conspirador: Scintilla a morte, a ruina No punhal de Catilina, De Catilina, o traidor. Surge, vibora gerada Dos vicios no lodaçal! Sobre Roma descuidada Lança o veneno fatal! Eia, empunha o facho ardente! Entrega a patria innocente Aos punhaes da tua grei! E entre o sangue, á luz do incendio, N'um throno de vilipendio Vem sentar-te como rei! Mas treme! lá sôa o brado De Marco Tullio, orador. Treme! Catão no senado Já dos teus vence o furor. Succumbiste, algoz ferino! Oh! mas vinga-te o destino Que Roma jurou perder. Catão, cobre-te de luto, Que da Gallia já escuto A guerra civil descer! Gerou-a o triumvirato, Esse monstro d'ambição; Que as eras de Cincinnato, Essas eras já lá vão. D'olhos fitos sobre a Italia Eis desce o leão de Gallia, E Arimino já tomou. É Cezar! eil-o que assoma: Abre-lhe as portas, ó Roma, Que ás tuas portas chegou! Eil-o parte, e já na Hespanha, Os tres legados venceu! Só em Dyrrachio lhe ganha A espada do grão Pompeu. Os mortos jazem aos centos: Sobre os seus restos sangrentos Um homem chora: é Catão. É elle que alli deplora Essa guerra assoladora, Guerra d'irmão contra irmão. A liberdade expirava: O coração lh'o prediz. Roma, a livre, Roma escrava Ia dobrar a cerviz. Não se enganou: lá troveja O fragor d'alta peleja Em Pharsalia inda uma vez; Pompeu vacilla e fraqueia; A liberdade baqueia De Julio Cezar aos pés. Eil-a que expira, eil-a morta... Oh que não! resurge além! Catão é vivo: que importa Quanto Cezar ganho tem? De Pharsalia aos naufragantes Sobre as areias distantes Da Lybia surge um fanal: São d'elle, d'elle as bandeiras Juntando as rotas fileiras Para um combate final. Mas Cezar lá corre ovante, Vence Juba e Scipião; Tudo ante elle vacillante Se prostra emfim: maldição! Não tarda a hora funesta: De liberdade só resta Dentro d'Utica um fulgor. Inda Catão lá impera: É lá que o vencido espera As iras do vencedor. Que venha, que ao seu aceno Curvado não ha de vêr Aquelle rosto sereno, Que nunca soube tremer. Caminha, Cezar altivo, E acharás em teu captivo, Em vez de preito, o desdem! Sabes vencer, porém corre, Vem saber como se morre, Aprende a morrer tambem! Catão, Catão, eis chegado O momento de partir! Com que rosto socegado Te vejo á morte sorrir! Antes do golpe supremo Tu paras inda no extremo A meditar com Platão: Assim a aguia alterosa D'alta penha cavernosa Mede sublime a amplidão. E depois assim como ella, Das nuvens rompendo o véo, Adeja sobre a procella, Deixa a terra, e busca o céo: Tal co'a dextra sempre ousada Cravando no seio a espada, Partiste d'alma os grilhões; E d'entre os vaivens da sorte Voaste, calcando a morte, Ás ethereas regiões. Cezar vence, e ao Capitolio Lá sobe triumphador; Roma cahe do altivo solio, Rojando aos pés d'um senhor. Catão, o livre, expirára... No suspiro que exhalára A liberdade voou. Começava o negro imperio Que um Caligula, um Tiberio, Um Nero, monstro, gerou. Elle entanto, sepultado Nas praias junto do mar, Lá dormia descançado Sob a lagea tumular. Alli a queixosa vaga Vinha, rolando na plaga, Beijar do livre a mansão; E inda fallar com saudade, Da patria, da liberdade, Á estatua de Catão.
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