O MENDIGO
Autor: Soares de Passos on Thursday, 6 December 2012
Nas torres soberbas da grande cidade O sol desmaiado não tarda a morrer; Recrescem as sombras: que importa? a vaidade No manto das sombras envolve o prazer. E o velho entretanto lá sóbe a montanha, Caminha, caminha, no cimo parou: Em frigidas gottas o rosto lhe banha Suor copioso, que á terra baixou. Quiz, antes da morte, nas serras distantes Fitar inda os olhos cançados da luz; A aldeia da infancia saudar por instantes, Depois satisfeito depôr sua cruz. Olhou, e um suspiro de vaga saudade Juntou a seus prantos em funda mudez; Depois, ao volver-se, topando a cidade, Que em ebrio tumulto folgava a seus pés: «Mal hajas, cidade, que ao pobre faminto «O pão da desgraça negaste cruel! «Mal hajas, mal hajas, que a terra do extincto «Talvez lhe negáras, á tumba infiel!» E exhausto, e sem forças, cahiu de joelhos; E a fronte cançada firmou no bordão: Passados instantes, os olhos vermelhos Ao céo levantava, dizendo: perdão! Cahiam-lhe soltas no collo vergado As longas madeixas em brancos anneis: Que nobre semblante de rugas sulcado, Sulcado dos annos, e mágoas crueis! «Perdão para as vozes que solta a desgraça! «Perdão para o triste, perdão, ó meu Deus! «Bem hajas, que aos labios lhe roubas a taça «De fel e amarguras, abrindo-lhe os céos. «Já filhos não tenho, levou-m'os a guerra; «Esposa não tenho, finou-se de dôr; «Amigos não vejo na face da terra: «Que faço eu no mundo? bem hajas, Senhor! «Ás portas do rico bati sem alento, «Eu rico n'outr'ora, mendigo por fim: «O rico sem alma negou-me o sustento, «Aquelles que amava fugiram de mim. «Vaguei pelo mundo, nas faces myrrhadas «Colhendo os insultos que ao pobre se dão; «Sem pão, sem abrigo, por noites geladas «Poisei minha fronte nas lageas do chão. «Que vezes a morte chamei sem alento, «Cançado dos annos, e fomes, e dôr! «A morte não veio: soffri meu tormento... «Só hoje me ouviste: bem hajas, Senhor! «Os homens e o mundo negaram-me os braços, «Mas tu me recolhes, tu me abres os teus... «Minha alma te busca, desprende-a dos laços... «Perdão para todos, perdão, ó meu Deus!» E um ai derradeiro soltou d'anciedade, Cahindo por terra nas urzes do chão; Ao longe, no seio da grande cidade, Brilhava das festas nocturno clarão.
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