DESALENTO
Autor: Soares de Passos on Monday, 17 December 2012
Cançado, ai! já cançado quando a vida Em flôr nascente desabrocha ao mundo! Quando a esperança, d'illusões vestida, Sorri a todos n'um porvir jucundo! Alma que gemes em lethal quebranto, Desprende as azas nos vergeis celestes! Amor, gloria, prazer, dae-me inda o encanto Que nos dias passados já me déstes! Mas que é o amor da terra? luz divina Que mal desce do céo logo se apaga; Candida rosa que o tufão inclina, Que o tempo e a morte desfolhando esmaga. Doces imagens que em ditoso enleio Cerquei outr'ora d'illusão infinda, O que é feito de vós? ai! n'este seio Viveis apenas, se viveis ainda. E tu, que és tu, ó gloria? um som que passa, E de seculo em seculo retumba, Mas que a frigida lousa não traspassa De quem já dorme na calada tumba. Astro que brilha e queima, espectro ovante Que a desgraça acompanha, e o genio illude: Vós o sabeis, Camões, e Tasso, e Dante, Vós que gemeis ainda no ataúde. Que é o gôso, o prazer? fumo d'incenso Que embriaga um momento, e se evapora; Que é o saber, a sciencia? espaço immenso Em que a verdade mal reluz na aurora. Que é este mundo que eu sonhei tão bello? Profundo abysmo de tormenta escura; Que é pois a vida? um fadigoso anhelo Que levamos do berço á sepultura. A morte! oh! se além d'ella o porto amigo Nos surgisse a final ledo e formoso! Se n'esses mundos da esperança abrigo Despontasse outro sol mais bonançoso! Mas quem sabe da morte? o ouvido attento No silencio das campas nada escuta; E Socrates não diz se um novo alento Achou, bebendo a gelida cicuta. Senhor, Senhor, porque vim eu ao mundo, E qual é sobre a terra o meu destino, De mim que homem geraste, e que no fundo D'este valle d'angustia érro sem tino? Infeliz de quem nasce! a ave que gyra, A fera, o tronco, o verme que rasteja Tambem nasceu, mas esse a nada aspira, Ou se aspirou alcança o que deseja. E o homem nasce, pensa, e aspira ancioso Ás illusões que a mente lhe depara, E a cada passo lhe esmorece o gôso, E acha só trevas onde luz sonhára. E caminha, e caminha, e sem alento Cahe abysmado no seu terreo leito, Onde apóz a fadiga e o soffrimento A lousa sepulchral lhe esmaga o peito. Aqui, de dôr um pélago profundo; Além, os vermes da feral jazida; Senhor, Senhor, porque vim eu ao mundo? Porque do nada me chamaste á vida?
Género: