DESALENTO

 

Cançado, ai! já cançado quando a vida
Em flôr nascente desabrocha ao mundo!
Quando a esperança, d'illusões vestida,
Sorri a todos n'um porvir jucundo!


Alma que gemes em lethal quebranto,
Desprende as azas nos vergeis celestes!
Amor, gloria, prazer, dae-me inda o encanto
Que nos dias passados já me déstes!


Mas que é o amor da terra? luz divina
Que mal desce do céo logo se apaga;
Candida rosa que o tufão inclina,
Que o tempo e a morte desfolhando esmaga.


Doces imagens que em ditoso enleio
Cerquei outr'ora d'illusão infinda,
O que é feito de vós? ai! n'este seio
Viveis apenas, se viveis ainda.


E tu, que és tu, ó gloria? um som que passa,
E de seculo em seculo retumba,
Mas que a frigida lousa não traspassa
De quem já dorme na calada tumba.


Astro que brilha e queima, espectro ovante
Que a desgraça acompanha, e o genio illude:
Vós o sabeis, Camões, e Tasso, e Dante,
Vós que gemeis ainda no ataúde.


Que é o gôso, o prazer? fumo d'incenso
Que embriaga um momento, e se evapora;
Que é o saber, a sciencia? espaço immenso
Em que a verdade mal reluz na aurora.


Que é este mundo que eu sonhei tão bello?
Profundo abysmo de tormenta escura;
Que é pois a vida? um fadigoso anhelo
Que levamos do berço á sepultura.


A morte! oh! se além d'ella o porto amigo
Nos surgisse a final ledo e formoso!
Se n'esses mundos da esperança abrigo
Despontasse outro sol mais bonançoso!


Mas quem sabe da morte? o ouvido attento
No silencio das campas nada escuta;
E Socrates não diz se um novo alento
Achou, bebendo a gelida cicuta.


Senhor, Senhor, porque vim eu ao mundo,
E qual é sobre a terra o meu destino,
De mim que homem geraste, e que no fundo
D'este valle d'angustia érro sem tino?


Infeliz de quem nasce! a ave que gyra,
A fera, o tronco, o verme que rasteja
Tambem nasceu, mas esse a nada aspira,
Ou se aspirou alcança o que deseja.


E o homem nasce, pensa, e aspira ancioso
Ás illusões que a mente lhe depara,
E a cada passo lhe esmorece o gôso,
E acha só trevas onde luz sonhára.


E caminha, e caminha, e sem alento
Cahe abysmado no seu terreo leito,
Onde apóz a fadiga e o soffrimento
A lousa sepulchral lhe esmaga o peito.


Aqui, de dôr um pélago profundo;
Além, os vermes da feral jazida;
Senhor, Senhor, porque vim eu ao mundo?
Porque do nada me chamaste á vida?
Género: