BELLA SEM CORAÇÃO
Autor: Bulhão Pato on Monday, 14 January 2013
Era uma esplendida imagem De olhos rasgados e bellos; Negros, negros os cabellos; Boca gentil como a rosa, Que á luz da manhã formosa Sorri ao sopro da aragem. Alta, graciosa, elegante, Um ar de tal distincção, Na figura e no semblante, Que eu disse commigo ao vel-a: «Como esta mulher é bella, Sobre tudo na expressão De pallidez namorada, Que tem na face encantada! Esta sim, por Deus o juro, Esta ha de ter coração!» A estação, o sitio, a hora... Era a hora do sol posto, E um frouxo raio de luz Vinha bater-lhe no rosto. A estação o meigo outono, Quando o prado se descora, No bosque cessa a harmonia, Quando tudo emfim seduz Com vaga melancolia. O sitio, ameno e saudoso, Onde livre a alma podia Dar-se inteira aos sentimentos De paz, de amor, de poesia! Aproximei-me da imagem Meiga, risonha, singela; Soltára a voz, era bella, Bella sim, vibrante e pura, Mas sem aquella ternura, Sem aquelle sentimento, Que diz tudo num momento! Sem tremor, sem sobresalto, Voz que dos labios saía, Dos labios só, que se via, Não provir do coração; Voz sonora, porem fria; Bella sim, mas sem paixão. «Pois essa gentil figura, Esse pallido semblante, Essa expressão de ternura Que todo o teu ar respira, A luz do olhar scintillante, Dize emfim: quanto se admira, Quanto ao ver-te nos encanta, Será sem alma, e sem vida?!» Sorrindo me respondeu: «Aqui não ha coração!» Mas eu vi que elle bateu D'essa vez precipitado Por que a sua nivea mão Tentou comprimil-o em vão! E no olhar enamorado, E na voz que estremecia, Oh! Deus! o que não dizia A bella sem coração! Setembro de 1856.
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