BELLA SEM CORAÇÃO

 

      Era uma esplendida imagem
      De olhos rasgados e bellos;
      Negros, negros os cabellos;
      Boca gentil como a rosa,
      Que á luz da manhã formosa
      Sorri ao sopro da aragem.

      Alta, graciosa, elegante,
      Um ar de tal distincção,
      Na figura e no semblante,
      Que eu disse commigo ao vel-a:
      «Como esta mulher é bella,
      Sobre tudo na expressão
      De pallidez namorada,
      Que tem na face encantada!
      Esta sim, por Deus o juro,
      Esta ha de ter coração!»

      A estação, o sitio, a hora...
      Era a hora do sol posto,
      E um frouxo raio de luz
      Vinha bater-lhe no rosto.
      A estação o meigo outono,
      Quando o prado se descora,
      No bosque cessa a harmonia,
      Quando tudo emfim seduz
      Com vaga melancolia.
      O sitio, ameno e saudoso,
      Onde livre a alma podia
      Dar-se inteira aos sentimentos
      De paz, de amor, de poesia!

      Aproximei-me da imagem
      Meiga, risonha, singela;
      Soltára a voz, era bella,
      Bella sim, vibrante e pura,
      Mas sem aquella ternura,
      Sem aquelle sentimento,
      Que diz tudo num momento!
      Sem tremor, sem sobresalto,
      Voz que dos labios saía,
      Dos labios só, que se via,
      Não provir do coração;
      Voz sonora, porem fria;
      Bella sim, mas sem paixão.

      «Pois essa gentil figura,
      Esse pallido semblante,
      Essa expressão de ternura
      Que todo o teu ar respira,
      A luz do olhar scintillante,
      Dize emfim: quanto se admira,
      Quanto ao ver-te nos encanta,
      Será sem alma, e sem vida?!»

      Sorrindo me respondeu:
      «Aqui não ha coração!»
      Mas eu vi que elle bateu
      D'essa vez precipitado
      Por que a sua nivea mão
      Tentou comprimil-o em vão!
      E no olhar enamorado,
      E na voz que estremecia,
      Oh! Deus! o que não dizia
      A bella sem coração!

Setembro de 1856.
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