NUM ALBUM (Improviso)
Autor: Bulhão Pato on Monday, 4 February 2013
(Improviso)
Se eu fôsse um vate inspirado,
Cantor das rosas singelas,
Ah! quantas coisas tão bellas
Tinha aqui para dizer!
Mas eu tenho horror á brisa,
Odio ao prado, odio ás estrellas,
E então aos vates das _ellas_
Nem sequer os posso ver.
Tu tambem, posto que a vida
Para ti sorria agora
Como sorri uma aurora
Dos puros dias de abril,
Não morres pela açucena,
Nem deliras contemplando
A lua que vai passando
_Pelos vastos ceos d'anil_.
E inda bem que a Providencia
Te livrou de tal abysmo;
Ó terrivel romantismo,
Quando has de um dia acabar?
Eu conheço uma menina,
Bella, gentil, seductora,
Mas, meu Deus, é tão doutora
Que se não pode aturar!
Arranja umas taes carinhas,
Toma umas taes posições,
Falla em sonhos e illusões
No seu romantico ardor!...
Pois é pena, que é bonita,
Talvez seja até formosa;
Se não fosse _preciosa_
Era um ente encantador.
Se lhe dizem que é feliz,
Solta um suspiro profundo,
Porque ninguem neste mundo
Até hoje a comprehendeu!
Salvo um ente idolatrado
Porém esse... oh! desventura!
Para a fria sepultura
Na flor da vida desceu!
Emfim, se alguem lhe protesta
Que inda ha de viver tranquilla,
Ergue em extasi a pupilla
Pondo a mão no coração!
Imagina o desgraçado
Que tenha a louca mania
De ir batter comsigo um dia
Neste abysmo de paixão!
Oh! Bem hajas tu que és bella,
Gentil, graciosa, elegante;
A alegria em teu semblante
Co'a innocencia anda a saltar:
Bem hajas tu que detestas
Todos os vates das _ellas_,
E as romanticas donzellas,
Que andam sempre a declamar!
Janeiro de 1862.Género: