PRIMAVERA
Autor: Bulhão Pato on Friday, 8 February 2013
Contempla este ceo esplendido, Ouve aquellas melodias De tanta ingenua avesinha, Que alegre, os serenos dias Da primavera adivinha. Não vês a olaia? vaidosa! Só por vêr que a amendoeira, Mais cedo desabrochou, Vermelha como uma rosa, De repente se tornou. Oh! bem vinda primavera! Ao vêr o sorriso terno Da tua boca divina, O prado, o monte, a campina, Que o triste e gelado inverno Sem piedade devastou, Num momento se animou! Em teu regaço a abundancia, Esperançosa floresce; Á sombra de teus verdores, Entre a suave fragrancia De tuas variadas flores, Contente o pobre adormece. E tu, minha vida, ao vêr-te Sósinha a meu lado agora, Nesta estação, nesta hora, Neste encantado logar, Á sombra d'essa verdura Onde frouxa a luz desmaia, Ante o mar que além suspira Na loira areia da praia, Não vês que a razão delira, Que dentro do coração Não cabe tanta ventura?! Falta a vida, sim, a vida, Para esta alegria immensa, Das nossas almas, querida! Viva, ardente, pura, intensa, Nesses olhos brilha a chamma Do amor que tua alma incerra; Alma que ao sopro de Deus Em divino amor se inflamma, Alma que veiu dos ceos, E que não cabe na terra. Fugaz, tranzitorio, vão, Será para nós o encanto Que nos enche neste instante De ventura o coração? Será! que importa? constante Virá depois a saudade, Abraçar essas memorias De infinda felicidade; Como ao templo aonde as glorias, De paz, de amor, de alegria, Se celebraram um dia, Mas templo que ao chão tombou, Se abraça a hera viçosa, Reveste as pobres ruinas, Amparando carinhosa Esse resto que ficou! Uma lagrima extremece, Vem de teus olhos á flor! Minha vida, esquece, esquece, Que póde haver na existencia Momentos de acerba dor! O sopro da Providencia, Vivo está, vivo respira, Neste ceo desassombrado, Na corrente que suspira, Neste cantico inspirado, Que as aves soltam no val, E d'elle provém a essencia Do nosso amor immortal! Contempla o vasto horisonte Que o sol vivido illumina; Olha as flores da campina; Escuta as aguas da fonte; Respira esta aragem pura, Embalsamada, e suave; Ouve o cantico d'essa ave, Que improvisa na espessura! Recolhe n'alma o perfume, D'esta encantada poesia. D'este sol, d'esta alegria, Que em torno de nós fulgura, E responde, minha vida, Se a nossa alma neste instante Póde com tanta ventura! Abril de 1856.
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