GRATIDÃO E SAUDADE
Autor: Bulhão Pato on Tuesday, 12 February 2013
(Recitada no Theatro) De candidos sonhos, de luz, e de flores, Cercada a existencia começa a sorrir; Alegre o presente nos falla de amores, De amores nos falla brilhante o porvir! Depois no horisonte sereno, e risonho, Carregam-se as sombras, perturba-se a luz, Esvae-se a ventura veloz como um sonho, Que apenas instantes na vida reluz! Assim penetrando no mundo das artes, Ao tímido lume de frouxo clarão, Olhava, e só via por todas as partes, A meiga esperança sorrindo em botão! De lyrios e rosas grinalda fragrante, Cuidei mais ainda: cuidei vêl-a ahi; Nos braços a aperto, convulsa, anhelante, Aos labios a levo, na fronte a cingi! Foi breve este sonho de amor, e de encanto; Acordo, e procuro debalde uma flor; Inundam-se os olhos de angustia e de pranto, Ao ver que só restam espinhos e dor! Só restam espinhos das pallidas rosas, A quem pobre artista não ousa pedir Os loiros frangrantes, as palmas viçosas, Que a fronte de genio só devem cingir! Só restam espinhos? ai, não! Se a ventura, Não quiz que durasse tão meiga illusão, Em paga deixou-me no peito a doçura. De terna, suave, leal _gratidão_! Que a voz do mais fundo, mais intimo d'alma, Sincera tributa nest'hora o dever! Embora outras palmas morressem,--a palma De gratas memorias não póde morrer! Desfeitos os sonhos, fanadas as flores, Quebrado o encanto da pura illusão, Que resta ao artista?--espinhos e dores, Saudades! mais nada no seu coração! Saudades da gloria, da luz, da ventura, Dos magicos sonhos, presente dos ceos, Saudades que attestam a funda amargura, Que sente ao dizer-vos agora um adeus! 1853.
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