Vejam se este poema faz jus a Pessoa: AutoAutoGrafia

 

           AutoAutroGrafia          (poema vivo)
 
                                                                   para Jussara Lima Dias
 
No início não havia loucura,
e eu era só uma criança plena.
 
Mordi a maçã
e o Sol sorriu, 
se desfez em cintilantes estrelas cadentes.
 
Eu vejo a sua profunda loucura.
És da loucura esplendorosa,
Olhos de Abismo,
mas ainda confusos, 
o âmago cindido em tantas partes
e apesar de tudo, me ama.
 
A grande Fonte
de onde brota o real
é a mesma de onde brota o amor
e sua indissociável loucura. 
Musa, és louca, e me amas.
 
O sangue ferve,
a carne é vida e vibra força.
Cabe a cada âmago guiar a guerra da vida.
 
Eu sonhava que era uma flor,
mas acordei e era uma flor respirando.
Eu era uma flor que sonhava que era uma pessoa.
 
Eu me sento no chão
e com carinho aceito minha loucura.
Eu olho o horizonte
e com carinho
aceito este amor tão árduo.
 
Depois de algumas décadas,
piscadelas de pétalas,
encontrei, moldei, criei, existo, 
brinco algo de fonte em mim.
Lembro-me de mim ao espelho,
de vez em quando sorrio o sorriso do tempo.
Depois de tudo isso, sei quem sou.
Mas o que eu sou?
O que é em mim e é o canto acontecendo no ar.
Quem és Beleza?
Estrela vestida de flor,
flor vestida de olhos,
olhos vestidos de cores,
cores vertidas em música.
 
E eu te encontro,
e nossos amores antigos e estelares destinos
se encontram;
nossas inocentes loucuras se reencontram,
e os nomes cessam.
Vemos os olhos que amamos como vemos o sol, a lua e o mar,
a loucura cessa...
A alegria, a dor, a loucura, amor
te quebram,
quebram teus olhos,
fendem sua fonte,
sem nomes no teu segredo,
guiada por sua liberdade de barco no mar.
 
Esplêndidas mestras são Amor e Loucura.
Amor está escrito no sangue,
Loucura também.
Inevitáveis amantes perigosíssimas as mais generosas e odiosas,
trocam de rosto entre os instantes da dança,
misturam nossos  olhares.
Pela liberdade mais ampla e fresca.
 
Nunca fostes preparada para a vida,
pequena suja de... amor.
Nunca te disseram
que todo este falsíssimo teatro,
esta guerra insana e ébria pela felicidade em primavera,
era,
afinal,
para que tivestes por instantes 
de mostrar o seu rosto de flor,
o seu único, singelo e pleno rosto
ao imenso Segredo chamado... Vida.
 
Em milagre tu juntas as partes,
compõe de novo por Amor,
Renasce,
forjando novos nomes e existências,
prossegue a Viagem.
 
                                    Márcio Ide
 
               Campinas, 16 de Janeiro de 2012.
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