COMUNIDADE GALEGA EM LISBOA
A COMUNIDADE GALEGA EM LISBOA
Em Fevereiro de 1971 até Fevereiro de 1974, trabalhei nos Escritórios de uma grande Empresa Portuguesa de nome A. Cavaco, Lda. Tinha uns grandes armazéns no Carregado explorando águas bebíveis para muitas cidades, vilas e empresas agrícolas a nível nacional, estendendo-se ao BENG.447 em Brá, na Guiné-Bissau, para abastecer aos populações nativas, em colaboração com o Batalhão de Engenharia. Mais tarde colaborou ativamente na construção dos Estaleiros da Setenave no estuário do Rio Sado em Setúbal. O Eng.º Cavaco não era algarvio, mas sim açoriano, em mares que pós Abril/74, desapareceu num barco à vela.
Tínhamos de almoçar fora ou levá-lo para o escritório, onde havia uma pequena copa. Optei por ir com os meus companheiros almoçar, até que o subsídio de almoço quase que cobria as despesas daquele repasto.
Levaram-me a uma tasca, que abundavam pela cidade lisboeta, que se situava numa perpendicular à Rua Rodrigo da Fonseca, paredes meias com a Fábrica da Seda e não muito longe da Mãe de Agua, junto ao Largo do Rato. Hoje já não existe.
O proprietário das muitas pessoas da Comunidade da Galiza. Tinha a casa cheia de gente com vontade de almoçar, principalmente de muitos taxistas. Naqueles longínquos dias todos estavam a saborear um bacalhau com grão, uma gastronomia deliciosa e gostosa. Muitas centenas de vezes ali nos deslocávamos não só para o bacalhau, como outras iguarias galegas.
Entramos em empatia e explicou-nos por onde se encontravam e reuniam muitos dos seus cidadãos. Por exemplo aconselhou-nos a tomar uma ginjinha numa taberna, fundada no século XIX, junto à Igreja de São Domingos, propriedade de um galego, que ainda hoje serve muitos copos daquele precioso líquido. Quando íamos almoçar ao Jardim dos Francos, junto à Sede Social do Benfica, dávamos meia dúzia de passos e lá estávamos a tomar a nossa ginjinha que estalava na boca.
O dono da Tasca do Bacalhau, explicou-nos que a primeira Comunidade da Galiza, fugindo da miséria e da fome chegou a Lisboa, que a recebeu de braços abertos há mais de trezentos anos, desenvolvendo atividades na gastronomia, na restauração, tascas e restaurantes, principalmente na Zona Pombalina e em outras artes e ofícios. Tem uma língua muito parecida com a portuguesa, gente trabalhadora, depressa se realizaram casamentos galaico-portugueses, sendo festejados na sua primeira Sede do Centro Galego de Lisboas, aberta no ano de 1908, na Rua da Rosa, no coração do Bairro Alto, local onde realizavam diversas atividades culturais, sociais e interpessoais. Mais tarde mudou para a Rua a Rua Júlio Andrade, contigua ao Jardim do Torel, perto da Direção Geral dos Serviços Prisionais e Reintegração Social, não muito longe do Largo dos Mártires da Pátria. Mais tarde naquele Centro da Galiza muitas vezes saboreei com os meus companheiros daqueles Serviços ali almoçarmos, sem esquecer o bacalhau com grão da tasca e outras refeições com o selo daquela região.
Os primeiros imigrantes chegados a Lisboa tiveram trabalho meritório na construção do Aqueduto das Águas Livres, abastecia a Capital Portuguesa do precioso líquido para beber e para as refeições dos humanos e dos animais. Também no Bairro da Bica viviam muitos aguadeiros galegos.
Nos anos da Guerra Civil de Espanha, 1936-1939, com o franquismo no poder, muitas Comunidades da Galiza, fugiram principalmente para Lisboa, de diferentes estatutos sociais e profissionais, intelectuais de esquerda e muitos republicanos. Muitos atuaram no Teatro D. Maria II. Também são conhecidas as tertúlias literárias no Café do Gelo, no Rossio entre intelectuais galegos com Fernando Pessoa e Almeida Garrett.
Atualmente há sinais da Galiza no Chiado, o Solar dos Presuntos, o Gambrinus, o Ramiro e na Rua Garrett, estava instalada a Livraria da Bertrand e na Praça Martin Moniz com muitas hospedarias e hotéis, que mudaram de proprietários.
Pessoalmente conheci em Setúbal um casal da Galiza, José Hernandez Dias proprietário do enigmático Café Brasileira, na Praça do Bocage em Setúbal, um grande apaixonado pelo vitória de Setúbal e com simpatias pelo Real Madrid onde chegou a trabalhar o meu irmão Manuel Fernandes, uma grande escola profissional. Naquele Café muitas tertúlias aconteceram principalmente ligadas ao mundo do Clube Setubalense, com Pedroto e Fernando Vaz.
Era um grande pedagogo, amigo dos seus trabalhadores a quem ensinava que na vida de todos nós há duas coisas que temos de prestar muita atenção, uma é ao dinheiro que depressa desaparece e a outra é à gaita quando ela aquece.
Faleceu há poucos anos, mas muitas gentes do Sado o recordam.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Fevereiro/2018