UM LIVRO DE CRÓNICAS E MEMÓRIAS
UM LIVRO DE CRÓNICAS E MEMÓRIAS
Recebi o convite para a sua apresentação na Moagem do Fundão, mas por força de uma doença que me atormenta há meses não pude estar presente como tanto desejaria, em particular tratando-se de um evento cultural relacionado com literatura.
Respondi ao amável convite do autor da obra - João Barroca -, agradecendo-lhe que me guardasse um exemplar, e prometi-lhe que mal largasse a cama hospitalar iria ao seu encontro para o comprar. Sei por experiência própria as muitas horas de trabalho investido numa obra deste género e os custos para a edição de um livro.
Regressado ao Fundão, combinei o nosso encontro numa esplanada, acompanhado pelo meu amigo, o Chefe Emérito do CNE da Junta Regional da Guarda. Fiquei sinceramente deslumbrado ao ver a capa e ao desfolhar o livro “DESPORTO NO FUNDÃO – Uma Viagem no Tempo entre 1900 e 1995”. Mais tarde, mergulhado numa leitura atenta, senti um verdadeiro orgulho no trabalho magnífico deste fundanense, não só nas letras mas sobretudo nas muitas fotografias antigas de grande relevância para a memória de todos nós. Está aqui patente um espólio que se teria perdido se não encontrasse as mãos sábias, acolhedoras e generosas de João Barroca, um autêntico perseguidor de tesouros imateriais. Estas páginas são relíquias de um passado, não muito remoto, que alguém soube guardar religiosamente e partilhar agora com todos nós nesta bela publicação. Todas as gentes do Concelho do Fundão devem estar orgulhosas e agradecidas ao escritor João Barroca e ao seu Filho Bruno Brito pela obra que legam, a nós e aos nossos vindouros.
Na capa, vemos logo uma fotografia de 1912, no Campo de Ténis de Alcambar, onde estão homens e mulheres no jogo da corda. Elas com as saias até aos sapatos, como mandava a tradição da época. Veio-me à memória os tempos em que frequentei a Escola Primária da minha aldeia. Além de chutos em bolas de trapos, o professor também nos ensinava o jogo da corda. Já lá vão uns bons anos desde que estiquei a corda pela primeira vez…
Na primeira página, encontramos uma interessante fotografia de um jogo de futebol no Fundão, com a particularidade de o estádio estar cheio e haver uma enorme fila de homens com chapéu de feltro, encostados aos gradeamentos do campo. Também, em 1955, no Campo da Meia Légua, vemos um desfile de dezenas de praticantes de várias modalidades.
No prefácio do Livro, Paulo Fernandes diz que “há um sentido interrogativo, projectivo e pedagógico nesta obra, que não só resgata da amnésia equipamentos, espaços, nomes de pessoas, desportistas, registos imagéticos e atmosferas, mas também ilumina e exalta um determinado tempo da nossa história recente. Estes constituíram alguns dos princípios norteadores que pautaram esta fantástica e surpreendente história do Fundão.”
Em 1901 dão-se os primeiros pontapés na bola de futebol. Em 1922 há corridas de bicicletas e o Fundão participa na Primeira Corrida Automóvel da Figueira da Foz a Lisboa.
Em 1912 Adolfo Portela funda o Grupo Desportivo do Fundão, na prática de Ténis, só para gentes abastadas. Realizam-se muitos jogos a favor da Cantina dos Pobres. Por falta de dinheiro, três atletas fundanenses não vão a Estocolmo nas modalidades de atletismo, esgrima e luta.
Em 1917 é inaugurado o Teatro Casino do Fundão, que mais tarde mãos criminosas derruíram o seu interior, como demonstra a fotografia original. Não olharam para aquele património…
Percorro as folhas e é admirável como numa escrita à mão se apresentam as contas das colectividades com uma clareza e transparência que alguns clubes e associações desportivas não têm hoje em dia. Muita gente da nossa praça tem muito a aprender com documentos de 1920, quando ainda não se pensava em computadores.
São referidos muitos clubes fundados no concelho: Clube Desportivo da Gardunha, Grupo Desportivo do Fundanense (1925), Sporting Clube do Fundão, com sede na Rua Miguel Bombarda (1927), Sport Lisboa e Fundão (1927), Gardunha Foot-ball Club (1923), Sporting Leões do Souto da Casa (1923), Sport Clube do Castelejo (1930), entre outros.
Vitoriano de coração e setubalense por adopção, as páginas mais gloriosas do livro não poderiam deixar de ser a 120 e a 121: na inauguração do estádio do Vitória Sport Clube de Silvares, participou a 5ª Filial do Vitória de Setúbal, no dia 24 de Dezembro de 1935. O jornalista do Fundão escreveu que o jogo foi aguardado com grande expectativa e ansiedade pelos adeptos dos dois emblemas. Com muito respeito, o Padre José Lopes Assunção deu a bênção ao campo de futebol, seguiram-se a troca de galhardetes, e antes escolhera-se a madrinha - a menina Maria Adelina de Sousa do Vitória de Setúbal.
Diz o cronista que os vitorianos estiveram a vencer por três a zero, mas depois deixaram-se dormir à sombra da bananeira e perderam por 4-3, o que ainda hoje acontece por vezes nas margens do Sado. O resultado mais ajustado seria o empate, mas a arbitragem esteve um tanto descuidado, nesse aspecto as coisas também não mudaram muito: ontem como hoje, os erros contra o Vitória de Setúbal mantêm-se, sempre com o relvado inclinado. O Vitória de Setúbal voltou a Silvares… e voltou a perder, desta feita por 5-3.
Para não revelar as muitas surpresas deste livro que merece uma leitura atenta de todos os fundanenses e de todos os amantes do desporto, termino pedindo novamente as palavras do Presidente da Autarquia Fundanense: “os autores (João Barroca e o Filho Bruno Brito) foram e são seleccionadores e gestores na escolha desses patrimónios insubstituíveis de memórias, mas igualmente do futuro desportivo do concelho onde o colectivo se deve sobrepôr aos interesses individuais”.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Julho/2018