CONTO DE NATAL

Era uma noite fria e escura, numa aldeia perdida, ou talvez esquecida, em Trás-os-Montes. Nessa aldeia, vivia uma menina sonhadora chamada Maria. Ela morava com os pais e os seus irmãos numa casa velha de pedra. Era a noite de Natal, e, como todos os anos, a família preparava-se para a celebração, mas este ano tinha de ser duma maneira diferente e muito simples. Maria olhou para a lareira e perguntou, com um tom triste:
 
— Mãe, por que não fazemos o presépio e não temos presentes este ano?
 
A mãe, com um sorriso caloroso, sentou-se ao lado dela, ajeitando-lhe os cabelos com carinho.
 
— Minha filha, o mais importante no Natal não são os presentes nem o presépio, mas o amor que compartilhamos. Hoje, o nosso presépio, será o calor que sentimos uns pelos outros e os presentes serão o carinho que damos à nossa família.
 
O pai, que estava sentado ao lado da lareira, levantou-se e disse:
 
— E não podemos esquecer das histórias! Cada uma delas é um presente que damos com o coração. Vamos lembrar-nos de todas as coisas boas que temos hoje, mesmo que sejam simples. Temos saúde, temos amor, e isso é o mais importante Maria.
 
Os irmãos da Maria, os mais novos, estavam a brincar perto da lareira, rindo-se e divertindo-se. O som dos seus risos era como música para os ouvidos da menina.
 
— Eu gosto quando a mãe conta histórias! — exclamou o irmão mais velho, enquanto olhava para a mãe com os olhos brilhantes.
 
Maria sorriu e sentiu-se mais acolhida pelas palavras dos seus pais. Ela não sabia explicar, mas de alguma forma, sentia-se rica. Não por ter bens materiais, mas pelo amor que a rodeava. Naquela noite, o frio da aldeia parecia não incomodar, pois o calor humano preenchia o coração de todos. E, enquanto a noite avançava, a mãe começou a contar uma história que tinha sido passada pela sua mãe.
 
— Era uma vez, um menino que, apesar de não ter riquezas, tinha algo muito valioso: a bondade no coração. Ele ajudava todos ao seu redor e, na véspera de Natal recebeu o maior presente que alguém poderia imaginar...
 
Maria ouviu atentamente, com os olhos brilhando de curiosidade. A história parecia mágica, e o calor da lareira, somado ao carinho dos pais e dos irmãos, fez com que ela se sentisse em paz. A noite passou rapidamente, e antes de dormir, Maria disse baixinho:
 
— Eu nunca irei esquecer esta noite. Mesmo sem presentes, eu sinto-me feliz, porque tenho tudo o que preciso: o amor.
 
Apesar do carinho e, visto que a família da Maria tinha chegado de Angola, cidade de Luanda, há pouco tempo. Fugindo da guerra e, de uma viagem longa e cheia de incertezas, que a deixara assustada.  Quando finalmente chegou à aldeia, os sons familiares da sua terra natal pareciam distantes.  A aldeia era diferente, tudo parecia mais escuro, frio e solitário.  O medo do desconhecido apertava o seu peito e a sua mente, mas ela manteve-se firme, tentando esconder a inquietação. Sentada perto da lareira, olhava fixamente para as chamas que dançavam, tentando aquecer o seu corpo, mas também a alma.  O medo de tudo o que tinha deixado para trás ainda estava muito presente, e o futuro parecia nebuloso. A mãe percebeu a inquietação da filha e aproximou-se, sentando-se ao seu lado.
 
— Maria, o que se passa, filha? — perguntou, tocando na sua mão com suavidade.
 
Maria olhou para a mãe com os olhos grandes e cheios de dúvidas.
 
— Mãe, eu... eu não me sinto bem. Tudo aqui é tão diferente. Eu estava acostumada ao calor de Luanda. A praia, as frutas, tenho saudades da escola. Aqui, tudo é tão... tão frio e silencioso. Eu sinto falta de casa. Será que vou conseguir adaptar-me? Tenho frio, estou cheia de frieiras nas mãos, quero os meus brinquedos. Quero voltar para casa, para o calor. Aqui tenho que vestir muita roupa e as pessoas olham para mim como se eu fosse um extraterrestre, não gosto do colchão de palha, cheira mal, os cobertores picam, quero a minha cama...por favor!
 
A mãe sorriu com ternura e envolveu a Maria num abraço apertado.
 
— Minha querida, sei que é difícil. Tu estás longe das tuas coisas, agora tudo parece estranho, não é? Mas lembra-te: que a nossa casa é está onde a nossa família está. Mesmo que a terra e as pessoas sejam diferentes, o amor que temos uns pelos outros vai nos fazer sentir em casa, aqui ou em qualquer lugar. E o Natal... ah, o Natal tem um poder especial. Ele lembra-nos que, mesmo nas noites mais frias, a luz da esperança sempre pode brilhar.
 
— Eu só quero voltar para casa, não gosto nada de estar aqui! Quero ir embora de Portugal, quero ir para Luanda.
 
O pai, que estava ao lado, escutou atentamente. Levantou-se e aproximou-se de Maria, colocando uma mão nos seus ombros.
 
— A vida em Luanda foi muito diferente, eu sei. Mas agora estamos juntos, e é isso que importa. Vamos criar, novas memórias, novas histórias, em Portugal. A nossa família é o nosso maior tesouro. Vamos fazer deste Natal o primeiro de muitos em que, apesar das dificuldades, a nossa união será o maior presente que podemos dar uns aos outros.
 
Maria não conseguia segurar as lágrimas que começaram a cair pelo rosto. Ela sentia saudades de tudo que tinha vivido em Luanda, mas ao mesmo tempo, o carinho e as palavras dos seus pais lhe davam uma sensação de alívio.
 
— Eu sei, pai. Mas eu ainda estou com medo... Medo de não conseguir encaixar-me aqui. Medo da vida na aldeia, medo das pessoas que não conheço. Medo do que vai acontecer com todos nós, no futuro!
 
O pai abaixou-se para ficar ao nível dela, segurando no seu rosto com as mãos.
 
— Maria, o medo é natural, mas não podemos viver com ele. As dificuldades, vão fazer parte da nossa história, mas o que importa é como nós enfrentamos isso juntos. A nossa força vem da nossa união. Nós estamos aqui para apoiar-vos, tanto a ti como aos teus irmãos, e juntos vamos superar tudo o que vier a acontecer.
 
Maria respirou fundo e, ao olhar para os olhos dos seus pais, sentiu uma nova chama de esperança acender-se no seu coração. O medo ainda estava ali, mas não mais tão forte. Ela sentia o calor da sua família e o amor que sempre existiria, não importava onde estivessem.
 
Então, a mãe levantou-se e começou a cantar baixinho uma canção de Natal, com a voz suave e reconfortante. O pai e os irmãos juntaram-se, e logo todos estavam a cantar. A canção trazia a paz ao coração. Fazendo torradas na lareira com azeite e açúcar, e o quentinho caldo verde. Maria fechou os olhos por um momento e sentiu a sua alma aquecer. Mesmo no meio da incerteza, ela sabia que aquele Natal ficaria para sempre gravado no seu coração, e o amor da sua família era mais forte do que qualquer medo.
 
— Eu vou tentar, mãe. Vou tentar fazer deste Natal o começo de uma nova história para mim também.
 
E assim, numa noite fria e escura, numa aldeia em Trás-os-Montes, mas quente no coração, cheia de amor e esperança, Maria a menina de nove anos encontrou força para enfrentar o futuro, e lá teve o Natal mais especial da sua vida. Era uma noite simples, mas marcada pela verdadeira magia do Natal: "o amor e a união da família". 
 
Um Santo Natal
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