CARTA: _No dia dos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja D. Jozé de Noronha, estando o Author doente_.
Senhor, se vos são acceitos
Pobres Versos, mal limados,
Entre vidros, e receitas,
Em triste leito traçados;
Se de hum sombrio doente
A fúnebre poezia
Os prazeres não perturba
Deste faustissimo Dia;
Consenti, que a branda Lyra,
Por vós outr'ora escutada,
E que teimoza molestia
Tem ha muito pendurada;
Sobre este cansado peito,
Ferida com debil mão,
Mande ao Ceo singelos hymnos,
Nascidos do coração;
Consenti, que eu louve o Dia,
Para mim assinalado,
Qne raia em nosso Horizonte,
De nova luz coroado;
Dia, que vos vio nascer;
E que quiz trazer comsigo
Quem une ao nome de Grande,
O santo nome de Amigo;
Quem não quer só a Nobreza
De Illustres Antepassados;
E mais ama huma virtude,
Que cem Titulos herdados;
Quem sabe, que o vir honrar
Dos pequenos a baixeza,
He entre os que nascem Grandes
A verdadeira Grandeza;
Quem a favor de infelizes
Traz sempre occupada a idéa;
E estima a fortuna propria,
Só para fazer a alhea;
Cem vezes, formozo Dia,
Vem o Horizonte doirar;
Nunca possão negros ventos
Tuas luzes perturbar;
Tu nos déste em peito illustre,
Que se doe de alheios ais,
Hum coração adornado
De mil Virtudes Morais;
Senhor, eu não doiro enganos,
Que venal lizonja approva;
Sabidas verdades digo,
E sou dellas huima prova;
Sou hum dos muitos exemplos
Do vosso bom coração;
A minha felicidade
Foi obra da vossa mão;
Razoando em meu favor
Contra teimozos destinos,
Felizmente pleiteastes
A cauza dos meus Meninos;
Ao bom Principe pedistes,
Que com mão compadecida,
Lhes concedesse humas ferias,
Que durassem toda a vida;
Pedistes depois, Senhor,
Que a sua Real Grandeza
Se dignasse de arrancar-me
D'entre os braços da pobreza;
Sei que nelle he natural
Ter dó das alheias penas:
Mas ouve-as melhor Augusto,
Quando lhas conta Mecenas;
Por este modo alegrastes
A triste familia minha;
E em caza nos levantastes
O Interdicto da Cozinha:
Já hum segundo Frizão,
Pendurada a lingua velha,
Dá reboque, como póde,
A' antiga meia parelha;
Já o sórdido Gallego,
Meu antigo companheiro,
De gravata, e carrapito
Arvorado em Boleeiro;
Açoitando surdas ancas
De dois Sendeiros roazes,
No mesmo Bairro apregôa,
Ora barrîs; ora pazes;
Mas, Senhor, deixando graças,
Pois não as pede a materia,
E pedindo á minha Muza,
Que seja comvosco séria;
Rogo ao Ceo vos dê mil annos,
Já que são tão bem gastados;
Annos que achareis depois
Em Livro de Oiro apontados;
E se em dia de Mercês
Ides de Semana entrar,
Seja a Mercê destes Annos
O meu nome apprezentar.
Ao Principe, ajoelhando,
Em favoravel momento,
Por mim, Senhor, lhe jurai
Eterno agradecimento;
E eu, em largando este leito,
Já sei a hora opportuna
De poder ajoelhar-lhe,
Quando elle chega á Tribuna;
E pondo-me ao pé do Ginja,
Que na _Náo Ajuda_ falla;
E faz a todos os _Glorias_
Continencias co'a vengalla;
Surdo á historia do naufragio,
Com que elle ás vezes me afferra,
Rezarei ao Deos do Ceo,
E assistirei aos da Terra.