A LIBERTINA
Oh! Tu, que solitária na calçada
Qual estátua espreita a luz do nada,
Deixa-me infundir-te este casto amor,
Lançar em teu corpo o folgar da sesta,
Pálida sombra que o pesar atesta
- Tu és p`ra mim a pudica flor.
Embora verta teu olhar profundo
Toda a mágoa que possa haver no mundo,
Amo o fulgor que na noite se espalha.
Sonho-te minha, por algum momento,
Guardo comigo teu atroz lamento,
Dele enfim faço uma mortalha.
Oh! Tu, louro anjo que Deus abomina,
Por ter na infernal treva tua sina,
Sinto aos poucos a queda me abater.
Por teu frouxo riso cheio de enlevo
Na ânsia de um Camões, absorto, eu escrevo
Versos parcos que me fazem viver.
Sibila bela p`ra sempre maldita,
Tua voz povoada p`la desdita
Acorda-me a paixão, queda e fanada.
Um dia, num só beijo temerário
Hei de reviver no infame calvário,
E, avistar contigo o esplendor do nada!