CARTA: Bom Sobral, o que eu te disse...
Bom Sobral, o que eu te disse
He, a meu pezar, verdade;
Sonóros, amenos versos,
São obra da Mocidade;
Mandaste que em Crescentini;
Louvando a doce harmonia,
O que o Mundo diz em proza,
Eu lho enfeitasse em Poezia;
Que invocando as brandas Muzas,
Encostada ao peito a Lyra;
Cante os ternos sentimentos,
Que elle nas almas inspira;
Môço Sobral, tu ignoras
Da inerte velhice os damnos;
Nesta fria testa brigão,
Co'teu preceito, os meus annos:
Que importa, que a huma orelha
A tua voz respeitada
Me mande afinar a Lyra
Ha dez annos pendurada,
Se á outra me diz Apollo,
Que eu sou já dos reformados;
Que em seu Tribunal não tornão
A servir Apozentados?
Longa idade, he longo mal;
Velho, só he bom o Amigo;
O teu mesmo Crescentini
Ha de provar o que eu digo:
Este homem, que a seu arbitrio
Move as humanas paixões;
Que traz na sua voz o sceptro
Dos sensiveis corações;
Que nos deixa duvidozos
Quaes forças maiores são,
Se os encantos da harmonia,
Ou se a viveza da acção;
Que em mim, que sou homem duro,
E rebelde ás Leis primeiras;
Que não chóro nos mais homens
As desgraças verdadeiras;
Que, insensivel, vi no Circo
Burlesco Neto arrastado
Deixar co'a rôta cabeça
O terreno ensanguentado;
Que vejo com olhos seccos,
Com firme semblante inteiro,
Fugir-me n'um parolim
O meu ultimo dinheiro;
Que em mim, digo, arranca pranto;
Que amolga hum peito de seixo;
Que muita vez co'chapeo
Encubro o trêmulo queixo;
Que quando dos tenros Filhos
Chorava o triste destino,
Tinha este peito de bronze
O coração de Sabino;
Este homem, que solto o panno,
Vivas vem á força ouvir;
Se cantar de hoje a déz lustros,
Em vez de chorar, faz rir;
Sobre os levantados áres
A envergonhada Harmonia,
Batendo apressadas azas,
Do seu Filho fugiria;
E o Jeronymo estendido[11]
Co'as pernas nos tamboretes,
Cabeceára entre as rimas
Dos ociozos bilhetes;
[Nota de rodapé 11: O Vendedor dos bilhetes.]
E cuidavas tu, que a foice
Que a taes dons ha de pôr fim,
Que ha de ferir Crescentini,
Me tinha poupado a mim?
Se eu hoje fosse aos Oiteiros,
Onde já tive elogios,
Dir-me-hião crueis verdades
Mil sinceros assobios;
Este Genio dos Poetas
He fugitivo, e mesquinho;
A' primeira cam nos deixa
Na ametade do caminho;
Não he irmão do teu Genio,
Este estende mão segura;
Acompanha os seus Valídos
A' borda da sepultura;
Fará que sempre as desgraças
Em tristes peitos emendes;
Que sigas sempre os exemplos,
Que dentro de caza aprendes;
Lastima, pois, minhas rugas,
Que até me cauzão o mal
De faltar ao teu preceito,
E a louvar hum homem tal;
Mas vasto, cheio Theatro,
Que elle encalma em tempo frio,
Falla melhor, que dez Odes,
He mais util elogio;
E nelle estas velhas mãos
Co'as forças que nascem d'alma,
Darão, em lugar de Versos
Muito pinto[12], e muito palma.
[Nota de rodapé 12: Cruzado novo.]