CARTA: _A hum Camarista_.

N'uma infeliz madrugada,
Antes que o Sol esclareça,
Mettido em pobre caleça,
Puz peito, Senhor, á estrada:
Sahi em hora mingoada,
Pois negra traição me espera;
Homens, com genios de féra,
Me atacárão sem motivo;
Por milagre fiquei vivo,
E devo pezar-me a cêra.

Vi revoltozos Carreiros
Com duro aguilháo armados;
Vi nuvens de páos alçados
Pelos cumes dos oiteiros:
Roldão, e o bravo Oliveiros,
Que alta pena Heróes declara,
Talvez voltassem a cara,
Que a tantos tremer fazia,
Se nos campos da Turquia
Vissem Carreiros da Enxara.

Vi os Campos inundados
De gentes vagas, e incertas;
Vi as estradas cobertas
De cacheiras, e cajados:
Não valem rogos, nem brados,
Não valem ligeiras pernas;
A raiva, e o Deos das Tavernas
Accendêo tanto os Campinos,
Que cuidei que os meus Meninos
Terião férias eternas.[18]

[Nota de rodapé 18: O A. era Professor de Rhetorica, e pertendia passar
para outro emprego.]

Em quanto no duro chão
Meu Companheiro arquejava,
Eu muito humilde esperava
Tambem a minha ração;
Bem me lembrou que esta acção
Deslustrava a minha gloria;
Mas não pertende vitoria,
Nem sabe mover espada
Mão, ha annos, costumada
A dar só com palmatoria.

Entre mortaes agonias,
Da bruta gente escapando,
Me fui na sege encaixando,
Maldizendo as romarias;
Praguejei meus negros dias,
Dias de pranto, e de dor;
Conheci então, Senhor,
Que só me dão meus destinos,
Ou Carreiros, ou Meninos,
Que Deos sabe o que he peior.

Mas a perda da vitoria
Sirva de abrandar meus fados;
Dem-vos motivo os Cajados
De fallar na Palmatoria;
Saiba o Principe esta historia;
Contai-lha com viva côr;
Fazei com que, em meu favor,
Sentindo affectos diversos,
Lhe motivem rizo os Versos,
E lhe faça dó, o Author.

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